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Capítulo 4

Esta página reproduz um capítulo de
Formação Histórica do Brasil
de
João Pandiá Calógeras

Companhia Editora Nacional
São Paulo, 1966

O texto é de domínio público,
exceto para meus anotações.

Esta página foi cuidadosamente revisada
e la creio livre de erros.
Se você encontra um erro, porém,
por favor me avise!

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Capítulo 6

 p86  Capítulo V

Independência do Brasil. Seu reconhecimento pela "Comitas Gentium"

Que vinha a ser êsse nôvo dominador, sôbre cujos ombros iria pesar o govêrno do reino do Brasil?

49. D. Pedro. — Em 1821, tinha D. Pedro vinte e quatro anos de idade. Formoso, ardente, audaz e varonil, afeito a durezas e intempéries, era perito em todos os exercícios físicos, e montava admiràvelmente. De sua mãe herdara a intrepidez e a dedicação a ideais e às suas amizades. Era um impulsivo. Capaz de praticar feitos extremos de heroísmo e de generosidade; por vêzes, também, suscetível de cair nos extremos opostos.

Hábil e inteligente, sabia intuitivamente muito mais do que se suspeitaria. Diplomatas europeus, que com êle trataram, reputaram‑no acima no nível de seus conselheiros oficiais em assuntos internacionais, com a exceção única do marechal Brant. Possuía o senso da realidade, e era de bom parecer, quando fora do influxo de conselheiros subalternos de quilate inferior. Franco a ponto de tocar à rudeza; fiel à sua palavra e leal a seus companheiros, até que nestes perdesse a confiança; mostrava‑se extremamente fácil em aceitar intrigas e acusações sem devidamente as pesar, e, por isso, com êle era dificílimo contar em qualquer empreendimento coletivo.

Era o filho predileto de D. João; tinha com o pai a maior intimidade, e sempre se revelou filho leal, dedicado e afetuoso. Não o amava D. Carlota Joaquina, que concentrava seus desvelos  p87 no filho segundo, D. Miguel. Na realidade, abandonado por ambos, não recebera educação alguma, e se criara por si mesmo, entre fâmulos e gente baixa da domesticidade palaciana. A êstes dominava pela sua situação social; em compensação, por êles era dominado através de baixa lisonja, servilismo sem limite, intrigas murmuradas e covardes, acusações segredadas e sem provas.

Êle queria bem a tais parceiros grosseiros e mal-educados, que lhe serviam sem pestanejar fantasias e caprichos, principalmente nas aventuras numerosas e nos conflitos a que o levara sua vida dissoluta. Conseqüência forçada, era malcriado, áspero e rude, propenso a pilhérias de baixo estôfo e a brutalidades a pretexto de brincadeiras. Tão longe as punha em prática, que mais de uma vez provocaram incidentes desagradáveis. Tinha consciência disso, e êle próprio costumava dizer que êle e o "Mano Miguel," tratamento que dava ao irmão, seriam os últimos malcriados da família.

Apesar dessas sombras, que lhe mareavam a reputação, ainda havia nêle luz bastante na alma, para lhe permitir brilhar como herói, cavalheiresco, abnegado e generoso, na história de Portugal bem como na do Brasil.

Era verdadeiramente liberal, no sentido preciso do vocábulo, embora criado em ambiente absolutista, nem sempre soubesse como provar seu liberalismo e por vêzes se embaraçasse na escolha entre impulsos autocráticos e normas constitucionais. Tal conflito psicológico, permanente nas tendências e nas heranças, explica as contradições e incoerências de sua curta vida de trinta e seis anos.

50. D. Leopoldina. — Sua espôsa, D. Leopoldina, era uma arquiduquesa austríaca. Casada come D. Pedro por motivos dinásticos, embora, amava a seu marido, que lhe não retribuía o afeto com a mesma intensidade. Era por demais inconstante para isso. Foi‑lhe, entretanto, uma colaboradora no govêrno, preciosa por sua dedicação, tanto no Brasil como na Europa, nos círculos mais íntimos da côrte e do gabinete de seu pai, o imperador Francisco I da Áustria. No Brasil, que contribuiu a tornar independente, sua memória é reverenciada com carinho e gratidão, como a de um dos mais eficientes fatôres de nossa emancipação nacional.

 p88  Não era formosa, nem cuidava muito de beleza; tinha pendor acentuado pelas ciências naturais, sendo ela própria cultora de botânica e de geologia. Adorava montar cavalos árdegos, e percorrer em longos passeios arrabaldes e cercanias do Rio. Possuía muito menos feminilidade do que seria do agrado do príncipe; em compensação, cativava os corações de quantos se acercavam dela, por sua bondade e seu espírito de caridade.

A princípio, não queria ao país, e ansiava por voltar à Europa. Aos poucos, observando e pesando sentimentos e esforços dos brasileiros por ascenderem a níveis mais altos, por se tornarem independentes e livres, começou a amara seus súditos e preparou‑se a provar êsse afeto pelo melhor dos modos.

51. Vésperas da Independência. — As novas de Lisboa e os fatos do Brasil mostravam desentendimento crescente entre os dois reinos. Em Portugal, dominavam inveja do desenvolvimento da antiga colônia, e tenção firme de subjugá‑la à metrópole; as côrtes revogavam todos os atos que haviam fomentado tal progresso. Significava tal política de Lisboa a recolonização do país, a ponto de, em certos casos, anular instituições existentes desde tempos coloniais. Os deputados brasileiros haviam sido recebidos friamente e nenhuma atenção se lhes prestava: seus protestos e suas iniciativas nenhum aprêço mereciam, nem eram estudados.

No reino americano crescia a impaciência. A gente tornava‑se irritadiça e ansiosa. Ansiosa por desatar laços que maniatavam e reprimiam sua franca evolução ascensional.

Foram tão longe as Côrtes, que chegaram a insultar e ferir ferinamente os mais legítimos e nobres sentimentos dos sul-americanos. D. Pedro, casado e pai de uma futura rainha, já fôra colaborador indireto de D. João VI no govêrno da monarquia, e era agora o regente da maior parte dela; e, entretanto, era espicaçado e tratado como criança inconsciente. Do reino vinham ordens para que deixasse o Brasil, a fim de se preparar a viajar pela Europa, e assim se familiarizar com a tarefa do govêrno de seus dominios hereditários. A ordem era redigida em têrmos deprimentes, e ameaçava com a reminiscência de que as Côrtes tinham poder para compelir e destronar.

 p89  O amor-próprio ferido aliava‑se em sua alma com o fundo sentir quão grave era o êrro cometido pelas Côrtes na sua conduta para com a América, ao fechar os olhos ao crescimento evidente da antiga possessão ultramarina, à sua maioridade política indiscutível, principalmente quando comparada com a velha Lusitânia. Em suas cartas ao pai, D. Pedro explicava tal situação em todos os detalhes, e lhe mostrava os descontentamentos crescentes, a agitação profunda do país, as astúcias e os atos dos extremistas a conspirarem a fundação de uma república, e previa a independência, quer estivesse êle próprio presente ou ausente.

Que podia fazer el‑rei? Apavorado pelos liberais, obedecia a seus menores gestos, quanto mais a suas exigências, e cumpria tôdas as ordens que lhe eram impostas, a tremer pela própria vida, pelo poder e pela situação política. Assentia, asseverando ser "muito de seu prazer", a tudo quanto a Assembléia votasse e ordenasse, por mais que lhe horrorizassem os sentimentos íntimos os ditames dêsse ajuntamento liberal. Alvo de estreita espionagem, tendo sua correspondência violada e perquirida, cada ato ou palavra passando pelo crivo de implacável censura hostil, era o monarca menos que nada.

52. Dificuldades do regente D. Pedro. Organização do movimento. — Cada vez mais, a vida do regente se tornava intolerável. Insultos e provocações choviam sôbre êle, tanto das paragens portuguêsas da monarquia na Europa, como da própria terra americana. Seu espírito, em tal situação de grave perigo, havia amadurecido e logrado ouvir conselhos de prudência. Refreou ostentar qualquer ressentimento, por mais ofendido se sentisse. No seu íntimo, porém, começou a olhar para o Brasil com olhos mais avisados. A emancipação da terra jovem já lhe apareceu como uma tarefa a cumprir, talvez um dever para como a monarquia e a dinastia de Bragança. Como êle ou sem êle, o país se tornaria independente por qualquer forma. Se o abandonasse, seria a desintegração pura e simples. E começou a sonhar a glória dos fundadores de impérios! . . . Ainda assim, demorou em adotar tal linha de conduta, e tornou pública sua intenção de obedecer às Côrtes que lhe exigiam a volta a Portugal. D. Leopoldina, entretanto, via a conjuntura política com clarividência maior, e convenceu D. Pedro a resistir.

 p90  Achavam‑se em plena fermentação as províncias do Sul — Minas Gerais, Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Rio de Janeiro, capital do reino e seu coração, pulsava de febre patriótica. Em cada alma, em cada bôca, uma só idéia, uma só frase dominava: não permitir fôsse diminuida, de uma parcela sequer, a conquista já efetuada.

Como consegui‑lo, ainda não era idéia clara. Mas de alguma forma havia de ser feito. Mensageiros percorriam o país em todos os rumos, para se manter aceso e vivo o sentimento autonomista e não permitir ao entusiasmo decrescer. À frente do movimento, enérgico e vivaz, achavam‑se a maçonaria e os maçons.

Seus principais chefes e luzes das oficinas têm de ser nomeados, como os primeiros obreiros da grande tarefa: Joaquina Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira, cônego Januário da Cunha Barbosa, José Joaquim da Rocha, figuram entre os maiores. Além dessa sociedade secreta, a "Associação Filotécnica", de caráter científico, trabalhava no mesmo rumo, sob a direção de José Silvestre Rebêlo, que mais tarde foi o primeiro ministro brasileiro nos Estados Unidos.

O fim principal era evitar que o príncipe partisse para Lisboa. De Portugal, mesmo, do círculo íntimo dos amigos de D. João, vinham conselhos e avisos para que o regente não deixasse o Brasil, pois sua presença aí seria o único meio (diziam os conselheiros) de salvar el‑rei, Portugal, Brasil e a si próprio.

Em tal atmosfera, e com o parecer de D. Leopoldina favorável a uma resistência prudente, estava maduro o espírito do príncipe para seguir tal conselho. Não queria, contudo, agir levianamente, e o primeiro cuidado seria sondar qual o feito real do sentir popular das províncias mais próximas.

Emissários partiram logo, apressadamente, para Minas e para São Paulo, a fim de coligirem assinaturas às petições que imploravam de D. Pedro ficasse no Brasil. Vibravam todos êsses documentos de entusiasmo e de decisão, e traziam as firmas das autoridades e das personalidades mais representativas da opinião, assim, como as da massa de gente mais humilde. Pràticamente, era um plebiscito, com resposta unânime. Em Minas, certas municipalidades  p91 estavam imbuídas de ideais republicanos, e por isso algumas abstenções se realizaram em virtude dessas convicções, exageradas por prematuras.

Não havia como recuar ante pronunciamento tão consonante. A 9 de janeiro de 1822, declarou o regente à Municipalidade do Rio de Janeiro, falando pela unanimidade do país, que ficaria, para bem de todos e felicidade geral da nação.

Nos anais do Brasil fôra voltada uma página, e das mais importantes, pois anunciava que se levantava o povo em resistência a ordens injustas de um poder que se pretendia superior, de uma metrópole que já deixara de o ser. No horizonte já se lobrigava a Independência, e o combate por ela já começara.

53. A revolta da guarnição portuguêsa do Rio. — Tal expressão deve ser entendida em seus devidos têrmos. A guarnição portuguêsa do Rio amotinou‑se contra D. Pedro, no intuito de o compelir a respeitar e a obedecer às ordens das Côrtes, fazendo‑o embarcar para a Europa. Tal atitude era correta e legal, de ponto de vista português, pois as Côrtes eram autoridade legal do reino lusitano. No Brasil, entretanto, e talvez sem que êste o percebesse, já não havia sentimento português, e a unanimidade da opinião forçou os regimentos metropolitanos a atravessar a baía e refugiar‑se em Niterói à margem fronteira do gôlfo. Mais ainda assediadas e ameaçadas por artilharia de morrões acesos, as tropas foram compelidas a embarcar em navios que singraram para Lisboa. Em meio do oceano, cruzaram os reforços que as Côrtes mandavam às tropas do Rio, mas êsses novos regimentos não tiveram licença para desembarcar e voltaram para Lisboa nos mesmos barcos que os haviam transportado à América.

Começaram os acontecimentos a progredir em marcha muito mais acelerada.

54. José Bonifácio. — A primeira conseqüência da resolução de permanecer no Rio foi que D. Pedro se viu forçado a escolher um gabinete formado em parte de brasileiros, a fim de que êstes assumissem sua parte de responsabilidade no poder. A personalidade a convidar deveria impor confiança e respeito, impedindo  p92 assim qualquer crítica. Entre os chefes da agitação do Rio, assim como na mente do príncipe, um nome acudia a todos como o único a apresentar todos os requisitos: José Bonifácio de Andrada e Silva.

Nascido em Santos de tronco antigo e respeitado, havia sido educado em Coimbra, onde se tornara professor da célebre universidade, e secretário da Academia de Ciências de Lisboa. Sabedor de nota, bem conhecido e apreciado nos círculos cultos da Europa, havia viajado em quase todos os países do Velho Continente, e tinha relações pessoais com seus mais notáveis cientistas. Por duas vêzes, seu nome fôra lembrado para comissões governamentais, em 1816 e em 1820: da primeira, a regência de Lisboa não permitiu sua retirada de Portugal, e da segunda, êle próprio recusara a nomeação.

Após a revolução do Pôrto, e sua repercussão no Brasil, que foi a substituição por Juntas dos antigos capitães-generais, fôra votado para a vice-presidência da de São Paulo; nesta, seu irmão, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, servia como secretário da Fazenda.

Eram‑lhe atribuídos os têrmos enérgicos da resposta de São Paulo à consulta do Rio sôbre se se deviam obedecer às ordens antibrasileiras das Côrtes.

Sua própria opinião pendia para a formação de uma monarquia dual, Portugal e Brasil, equivalentes em poder e direitos: as instruções dadas aos deputados paulistas à Constituinte de Lisboa provam‑no. As circunstâncias políticas, entretanto, iam ràpidamente evolvendo, e já não olhava suspicazmente para a independência pura e absoluta: talvez aí estivesse a solução.

No gabinete de 16 de janeiro de 1822, foi incontestàvelmente a figura primacial. Nas ocorrências subseqüentes, revelou ser um organizador, o chefe, o estadista. Não fôra sua primeira idéia, mas foi seu destino ser o fundador, o cérebro das instituições sonhadas sentimentalmente e propugnadas pelos maçons do Rio, sustentados pelo regente e por partidários das províncias vizinhas. Tudo bem considerado e medido, discutir prioridades e méritos se torna ocioso: a semente e o crescimento dos fatos estavam no progresso estuante do país, em sua ascensão a níveis mais altos, em sua ânsia por liberdade e independência.

 p93  José Bonifácio notou imediatamente os pontos fracos. Para triunfar, era essencial a unanimidade, e Minas, por suas aspirações mais adiantadas, favoráveis ao estabelecimento de um govêrno republicano, poderia comprometer a vitória. São Paulo exigia pacificação, pois o litoral e o interior estavam de relações muito tensas e hostis. Na Bahia, a cidade do Salvador, ocupada por fôrças portuguêsas, estava assediada pelo Recôncavo em armas. Manifestavam‑se hesitantes as províncias nortistas, Maranhão e Pará, mais próximas de Portugal.

Para auxiliar o govêrno, foi sugerido criar‑se um conselho de Estado, composto de representantes das províncias, e a 16 de fevereiro D. Pedro assinou um decreto nesse sentido. Em março partiu para Minas, com o fito de acalmar os exageros de seus homens públicos, mitigando os excessos de seus ideais políticos, e nivelando‑os com os das demais circunscrições. Tornou‑se triunfal a viagem. Do Rio, remeteram‑se armas e tropas para a Bahia, reforçando o elemento nacional que cercava na capital a divisão portuguêsa. O general Pedro Labatut recebeu o comando em chefe das fôrças brasileiras, e lutou durante doze meses para expelir seu adversário da cidade ocupada, forçando‑o a reembarcar sua tropa na esquadra lusa, ancorada na Bahia, e a voltar para o Tejo.

A sugestão de criar um conselho de Estado havia sido aceita e posta em prática pelas províncias do Sul, e pela Paraíba. Das outras, Ceará excetuado, mais que não nomeou seu representante, Alagoas, Bahia, Pernambuco e Maranhão haviam‑se oposto ao projeto.

Sempre por influência da maçonaria, foi oferecido a D. Pedro o título de Defensor Perpétuo do Brasil; o príncipe aceitou a aclamação que já era um compromisso prenhe dos progressos políticos futuros. Logo em seguida, Rio Grande do Sul e Ceará propuseram se reunisse uma Constituinte; respondeu o regente que se deveria esperar pela reunião dos representantes provinciais, a fim de ser conhecida a opinião real do país inteiro. Tal era a ansiedade generalizada, que nem sequer deu tempo a êsses representantes de chegar ao Rio; apenas três dêles, os do Rio e da Cisplatina, se reuniram a 2 de junho e apresentaram a moção. No dia seguinte, foi expedido um decreto convocando uma Constituinte. Era o ato decisivo da separação. Só lhe falava um requisito: proclamar a independência.

As novas vindas de ultramar provocaram a fase última e essencial do conflito. Insistiram as Côrtes em sua política imprudente e provocadora contra a América portuguêsa. Os deputados americanos de mais em mais se viam insultados, vilipendiados e desprezados. Quando apontavam para as conseqüências das medidas recolonizadoras em que insistia o reino europeu, respondiam os deputados da antiga metrópole: "Passe muito bem, Senhor Brasil".

A reunião dos representantes das províncias foi tida por ato de rebelião, e Lisboa revogou‑o. A resistência da Bahia foi louvada e ia ser reforçada por novos contingentes enviados do reino. Os ministros de D. Pedro seriam julgados em Côrte de Justiça, e, daí por diante, teriam de ser nomeados pelo govêrno português e não pelo regente. Ordenou‑se que os membros da Junta de São Paulo, e demais conselheiros das medidas e dos esforços para impedir que seguissem para Lisboa os deputados de Minas, fôssem processados e julgados.

Antes da comunicação oficial de tais decisões, recebeu‑se no Rio, a 28 de agôsto, notícia fidedigna do que resolvera o govêrno luso.

55. Independência ou morte. — D. Pedro achava‑se ausente em São Paulo, pacificando a província, como fizera em Minas. Sob a presidência de D. Leopoldina, o gabinete reuniu‑se imediatamente. As novas significavam guerra, tal foi a conclusão unânime do Conselho.

Despachou‑se para o príncipe um emissário especial. Foi encontrado na vizinhança de São Paulo, em Ipiranga, a 7 de setembro de 1822. Tomou os despachos, leu‑os e compreendeu que era chegado o momento de agir. "Independência ou morte", bradou, interpretando o sentir geral do país.

A aproximação de datas é prova eloqüente de quão ìntimamente colaboravam a maçonaria e seus chefes com o regente e seu gabinete. Desde 2 de agôsto, o príncipe fôra iniciado como maçom, e pouco depois elevado a grão-mestre da Ordem; só assumiu as funções ao voltar de São Paulo, a 14 de setembro.

 p95  A 20 de agôsto, o Grande Oriente proclamou, por proposta de Ledo, que era chegado o tempo da separação definitiva e completa de Portugal. Os ministros resolveram publicar dois manifestos, um à Nação, outro aos governos estrangeiros. Do primeiro, foi incumbido Ledo, e do segundo, José Bonifácio. Ambos explicavam porque D. Pedro ficara no Rio, e assumira seu título de Defensor Perpétuo do Brasil. Três dias após, a iniciativa de Ledo e os meios de a realizar foram discutidos, votados e adotou‑se observá‑los em todas as províncias associadas.

A coroação, o juramento do nôvo imperador, eram conseqüências, embora essenciais e importantíssimas: Império, em vez de reino, fôra o nome adotado para significar a dúplice origem do poder: direito hereditário, escolha popular. Todo o Brasil vibrava de aclamações e de entusiasmo.

Duas exceções, contudo, tinham de desaparacer: Bahia, com sua capital em mãos estrangeiras; Pará e Maranhão, hesitantes em parte, e talvez com a minoria preferindo Lisboa.

Sob a pressão das fôrças patrióticas conduzidas pelo general Labatut, como já mencionamos, e depois pelo coronel Lima e Silva, a 2 de julho de 1823 embarcou e singrou rumo de Portugal a divisão lusitana comandada pelo general Madeira. Lord Cochrane, convidado para o comando de todas as fôrças navais da marinha brasileira, impôs o domínio imperial em ambas as províncias nortistas hesitantes, nas quais os movimentos locais já haviam feito triunfar a Independência. Em setembro de 1823, sua missão estava finda com pleno e absoluto êxito.

As guerras da Independência na América espanhola haviam durado quinze anos: no Brasil estendeu‑se apenas por outros tantos meses. E, enquanto o império americano da Espanha se esboroava aos pedaços, a integridade do Brasil fôra preservada.

Resultado tão notável era o fruto, principalmente, da vinda da Família Real à América, da elevação da antiga colônia a reino, da decisão de D. Pedro, da previsão e da energia de homem de Estado, de José Bonifácio, e do valor militar de Cochrane. Mas, quase por igual, devia‑se à fraqueza de Portugal, às suas provocações e à ignorância em que jazia das condições reais de sua antiga colônia, já agora superior a metrópole em tudo, como os acontecimentos subseqüentes iam revelar, em breve prazo.

 p96  Os decretos brasileiros de junho de 1822 e os manifestos de agôsto haviam provocado motins em Montevidéu, aliando‑se as fôrças portuguêsas e o cabildo contra a tropa brasileira. Proclamada a Independência, os dois partidos chegaram a vias de fato. A divisão metropolitana, assediada na cidade, recebeu ordens das Côrtes para o abandono da praça e obedeceu, após dezessete meses de sítio: já não constituía mais uma fôrça combatente, pois os efetivos iam minguando, a ponto de se tornarem evanescentes. Em fins de janeiro de 1824, não se achavam mais soldados estrangeiros no território nacional.

As complicações internas apareciam mais graves.

56. Deveres do momento. — Todo o pêso do govêrno recaía sôbre José Bonifácio e seus companheiros de govêrno, sôbre o primeiro principalmente. Atritos e choques eram de esperar de todos os lados. O próprio ministro, como todos os membros da família Andrada, apesar de seus eminentes predicados, sofria de verdadeira hipertrofia de vaidade e de ânimo vingativo. Não podia tolerar as críticas de que era alvo nos templos maçônicos, fazendo de qualquer dissídio de opiniões um caso de inimizade pessoal. Com o imperador, o comércio afetuoso e respeitoso dos primeiros dias transformara‑se em relações tensas. Persuadiu a D. Pedro a desterrar Ledo, um dos primeiros, talvez o primeiro pioneiro da Independência; e êste notável prócer, a custo, escapou à afronta, fugindo para Buenos Aires. Novos excessos contra seus oponentes políticos tornaram impossível sua continuação no poder, e teve de resignar.

Nesse meio-tempo, o decreto de junho havia sido pôsto em execução, e uma Assembléia Constituinte fôra eleita e reuniu‑se a 17 de abril de 1823. Nela figuravam como deputados os três irmãos Andradas. José Bonifácio, apeado do poder, entrou a inspirar gazetas políticas, e, tanto no Parlamento como na imprensa, moveu uma oposição sem tréguas, que um contemporâneo, inglês e historiador do Brasil, John Armitage, descreveu como facciosa. O ambiente da Assembléia bem o favorecia.

Em regra, êsse primeiro ensaio eleitoral havia enviado ao Rio de Janeiro um bando multicor de juristas, altos dignitários da Igreja, párocos da roça e proprietários agrícolas. Nula era sua  p97 competência administrativa, e de igual desvalia sua capacidade prática na técnica parlamentar. Alguns dêles, apenas, estavam a cômodo nesse meio tão nôvo para êles. A maioria tinha idéias excessivas sob sua própria superioridade, e olhava de cima para baixo para os funcionários e membros do próprio govêrno. Influência ainda da malograda conspiração mineira e da revolução de 1817 em Pernambuco.

O mesmo sentimento explodiria em 1824, na revolução separatista de Pernambuco e províncias vizinhas, a chamada Confederação do Equador, precisamente no momento mais delicado das negociações de Londres, visando fazer pazes com Portugal, revolução que deu real trabalho para ser debelada.

A reunião da Assembléia dava‑se em data próxima demais do período de exaltação das primitivas paixões da Colônia, para que ela pudesse conservar serenidade e espírito de justiça, superior às provocações e aos odiosos, porque injustos, apelos ao patriotismo invocados contra quantos eram suspeitos de preferir Portugal ao recém-nato Império. O próprio Imperador, fundador das instituições novas, era apontado nos jornais e panfletos e entre membros menos calmos do Parlamento como sendo um dêsses saudosos do regime anterior! . . .

E a autoria de tal situação desprezível e ingrata recaía nos partidários dos Andradas ou em pessoas de vulto menor por êles protegidas, senão talvez nos próprios chefes de seu partido.

57. Dissolução da Constituinte. A Carta outorgada. — De tal procedimento, ingrato e pouco digno, surgira um estado de coisas intolerável. Avizinhava‑se uma explosão, e o menor incidente poderia acender e faser explodir a mina. Foi lançado o fogo à pólvora, por ataques desarrazoados ao govêrno, sob o pretexto de ter êste recusado punir oficiais ofendidos por um insultador, que êles tinham castigado. Acusados e caluniados além de tôda medida, protestaram, e D. Pedro, fundamente ferido em suas mais nobres intenções, e vilipendiado em seus atos, a 12 de novembro de 1823 ordenou a dissolução da Constituinte.

Ao mesmo tempo, prometeu preparar e conceder uma Constituição verdadeiramente liberal. Foi brilhantemente desempenhada  p98 a promessa, e, para a época, a Carta de 25 de março de 1824 foi realmente um monumento de liberalismo e de podêres inteligentemente equilibrados.

Tôdas essas ocorrências desagradáveis iam acontecendo enquanto se fazia a pacificação da Bahia e do Norte do Brasil. E novas complicações, de outro gênero, entretanto, eram esperadas.

Após a expedição do manifesto de agôsto às côrtes estrangeiras, José Bonifácio pouco havia feito para manter o contato com essas: ainda assim, o que fizera visava a independência ainda por ser realizada. Com o título oficial de cônsul, mas de fato no caráter de agente político secreto, nomeara para Buenos Aires Correia da Câmara; o marechal Felisberto Brant, então em Londres, fôra acreditado como encarregado de negócios. Para Paris e Washington iriam ser igualmente remetidos agentes diplomáticos da mesma categoria. Mas tudo isso era feito em proveito exclusivo do Brasil.

Evidentemente, tais nomeações tornaram‑se inválidas, quando a independência foi proclamada, e o reino elevado a Império.

O marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes havia auxiliado na Bahia, em 1805, a esquadra de Sir Hugh Popham, e, por essa cortesia, entrara em contato com George Canning, granjeando‑lhe a amizade e a estima.

A missão de que o incumbiriam em 1822 consistiria em angariar soldados, comprar vapôres, e propugnar uma política de intimidade mais estreita entre os dois países. Mas, do Rio, nenhum recurso lhe mandavam, nem, o que era mais grave, os podêres necessários para tratar; ora, se quanto a questão de fundos, Brant se aviesse com dinheiros próprios, nada podia suprir a ausência de podêres oficiais.

D. Pedro, influenciado por seu casamento austríaco, havia mandado para Viena o seu íntimo Antônio Teles da Silva Caminha, gentil-homem que mais tarde galardoou com o marquesado de Resende. Possuía muitos parentes na côrte de Viena, o que facilitaria sua missão confidencial de 1822, a de explicar a Francisco I, sogro do Imperador do Brasil, bem como a Metternich como as ocorrências haviam levado à Independência.

 p99  58. A campanha do reconhecimento do Império. — Supunha o gabinete do Rio que a Inglaterra era hostil à nova nação, por causa dos antigos tratados portuguêses, e receava que a Santa Aliança interviesse no conflito.

Inexata a primeira suposição, e também parcialmente infundada a segunda, pelo menos no tocante a Áustria.

Canning conhecia por demais o sentimento britânico e as exigências do comércio inglês, para se opor aos novos Estados da América Central e do Sul; mercados abertos às mercadorias insulares, quando livres, e fechados, quando sob o império da política monopolizadora das metrópoles. Pensava também o secretário de Estado em coibir o tráfico de escravos por acôrdo direto com o Brasil. Influiu sôbre Brant, para que êste voltasse para o Rio, a fim de estabelecer o contato dos dois governos.

Adiantou‑se mais ainda. Lord Amherst, despachado vice‑rei da Índia, velejara para a Ásia, a fim de tomar posse de seu cargo. Recebeu ordens de passar pelo Brasil, e informar ao govêrno de fato aí estabelecido que seria possível reconhecê‑lo apesar da oposição portuguêsa, se o nôvo Império se dispusesse a pôr um têrmo ao comércio negro.

As condições especiais do país, entretanto, não permitiam a D. Pedro nem a José Bonifácio aquiescerem, malgrado seus sentimentos pessoais adesos a tal proposta. E o assunto não foi adiante.

Canning, entretanto, avisou lealmente a Portugal, embora em caráter confidencial, que a Inglaterra era igualmente amiga dos dois reinos, e que, se as coisas chegassem a desfechar em hostilidades entre êles, o govêrno de Sua Majestade Britânica observaria a mais estrita neutralidade; se Portugal admitisse, por qualquer forma, o nôvo estado das circunstâncias políticas, Sua Majestade se sentiria feliz se pudesse cooperar em qualquer acôrdo aceitável para ambas as partes.

Tudo isso demonstra quanto a Grã-Bretanha procurava agir em benefício do Brasil e de sua Independência, mesmo antes de o próprio Império dar qualquer passo nesse rumo.

Grandes transformações estavam ocorrendo em Portugal. Haviam‑se as Côrtes tornado intoleráveis. Os absolutistas, inspirados  p100 por D. Carlota Joaquina e D. Miguel, começaram em fevereiro de 1823 uma revolução, visando derrubar os odiados liberais, e o próprio rei, que era acusado de ser favorável à Assembléia, quando, na realidade, não passava de sua vítima, a mais miserável e apavorada, prisioneiro que se sentia dela. Em maio, rainha e infante colocavam‑se pùblicamente à frente do movimento.

D. João, avisadamente aconselhado por seu amigo o marquês de Loulé, fêz causa comum com a revolução, e dêste modo pôde conservar seu trono, enquanto em junho as Côrte haviam cessado de existir. A opinião geral sôbre o Brasil era que a separação e o Império não passavam de conseqüências da ação política impensada e criminosa das Côrtes constitucionais; dissolvidas estas, deviam por igual desaparecer os corolários, voltando as coisas ao estado anterior.

Talvez el‑rei soubesse melhor, e estivesse a par do sentido verdadeiro da secessão. Como sempre, entretanto, relutava em se opor ao envio de uma missão pacificadora ao Rio. Daí, quem sabe? Talvez fôsse bem sucedida. Assim, foi preparada secretamente e seguiu para a América uma expedição política, chefiada pelo Conde do Rio Maior. Um de seus membros, o marechal Luís Paulino, chegara antecipadamente à Bahia, onde precedeu a Rio Maior. Aí foi detido, enviando‑se para o Rio os papéis de que era portador, os quais também aí foram recebidos a 7 de setembro, antes de aportar o conde, em momento de exaltação suprema dos espíritos oposicionistas a D. Pedro.

O imperador remeteu todos os documentos à Assembléia, onde causaram a mais intensa emoção. A Luís Paulino perguntou‑se se trazia podêres para reconhecer a Independência. Respondeu que ignorava o teor completo das instruções de Rio Maior; tornou‑se forçoso, então, esperar a chegada do principal emissário, que só a 20 do mesmo mês entrou na baía.

A êste se repetiu a mesma indagação: não, acudiu, não tinha podêres para reconhecer os fatos anteriores. Como conseqüência, foi seqüestrado o navio em que viajara, e tôda a embaixada foi constrangida a reembarcar no primeiro paquête e voltar para Portugal.

 p101  Violência desnecessária, provou contrária aos interêsses brasileiros. O govêrno, entretanto, havia cedido à pressão da sentimentalidade das ruas e de um Parlamento superexcitado; assim precedera para aquietar um pouco os que acusavam o govêrno de favorecer Portugal em detrimento do Brasil.

Poucas semanas depois, aportava ao Rio o marechal Brant. Canning, contudo, não parara em sua ação incessante em favor da aceitação dos fatos consumados. Portugal e seus governantes achavam‑se apurados, pois bem sentiam que não podiam contar com a boa vontade de seu antigo aliado no conflito sul-americano.

De Lisboa sugeriram invocar a Santa Aliança para solver a questão. Canning ameaçou abandonar o reino peninsular, se tal política fôsse adotada, pois significaria reconhecer uma supremacia continental que a Inglaterra contestava com a maior energia. Não poderia, então, juntar‑se a Rússia à Áustria nessa negociação? — Por quê, a que título? respondeu o secretário de Estado. — A presença da Áustria justificava‑se, como sendo o domínio de Francisco I, o sogro de D. Pedro, com título de família para intervir no caso. Mas a Rússia nada podia alegar dêsse gênero.

59. As missões em Londres, Viena, Paris e Washington. — Vergando ao pêso das dificuldades internas, o govêrno brasileiro não havia curado do reconhecimento do Império pelas potências estrangeiras. A chegada do marechal Brant chamou‑lhe a atenção para êsse urgentíssimo problema. De sua própria correspondência com o departamento de Estado, no Rio, se evidenciaria que Londres teria de ocupar o primeiro plano nas negociações, e que tôdas as missões brasileiras teriam de se guiar pelas instruções dos enviados à Inglaterra. Os Estados Unidos apresentariam outro aspecto do problema, no qual, acorde com as recomendações do testamento político de George Washington, tôda complicação com a Europa teria de ser evitada.

Em janeiro de 1824, redigiram as instruções para os plenipotenciários, muito semelhantes em seu contexto, embora diferissem nos têrmos e nas medidas, proporcionadas ao gênio e à mentalidade dos países e das côrtes perante os quais iam os diplomatas acreditados.

 p102  As mais simples foram as de José Silvestre Rebêlo, enviado aos Estados Unidos como negociador. O problema era de solução fácil: desde os primeiros movimentos emancipadores das antigas colônias sul-americanas, em 1810, a simpatia do govêrno e do congresso norte-americanos haviam acompanhado a causa da Independência. Henry Clay é um nome que o Nôvo Continente nunca poderia esquecer, tais os serviços que a campanha por êle chefiada prestou. Missões de estudo haviam sido remetidas a todo o litoral sul-americano; sob nomes diversos, cônsules ianques tinham sido nomeados para investigarem a real situação dos fatos; e o reconhecimento só se vira demorado por motivos de ordem de política internacional bem como por conveniências internas: o tratado com Espanha sôbre a compra da Flórida não fôra ratificado.

Quanto a Portugal e Brasil, as coisas apresentavam‑se mais simples: desde 1810 até 1820, ministros americanos haviam residido no Rio de Janeiro, na côrte de D. João. Não era, portanto, nova a questão, e as soluções adotadas já, de antemão, gozavam da boa vontade da grande República do Norte. Nova prova forneceu a missão de Rebêlo, na rapidez e na facilidade com que pôde cumprir sua incumbência diplomática. 59 dias após sua chegada a Baltimore, o Império do Brasil era oficialmente reconhecido como nação independente pelo presidente James Monroe, a 26 de maio de 1824. Antecedeu a todos os atos de natureza igual, no cenário internacional.

Na Europa, ao contrário, arrastavam‑se as ocorrências com inúmeros tropeços.

Por parte do Brasil, muitas queixas teriam de ser tratadas com imensa destreza. Perante a Inglaterra, ocupava o primeiro lugar a questão da abolição do tráfico; outra, seria a dificuldade da sucessão do trono português, pois à Grã-Bretanha não poderia ser indiferente ver Portugal, seu ponto de apoio continental, em mãos amigas do liberal D. Pedro, ou nas de seu irmão D. Miguel, instrumento de Metternich e da Santa Aliança.

Para a antiga metrópole, o problema da sucessão da coroa era a cogitação predominante, pois o Brasil não admitiria continuasse qualquer laço de dependência com o velho reino; e, pelo menos D. João VI e seu gabinete insistiam em eliminar qualquer  p103 possibilidade de se tornar D. Miguel soberano de Portugal; assim, também, seria ponto difícil de definir a situação recíproca de portuguêses e de brasileiros nos dois países; finalmente, não parecia fácil solver os problemas das indenizações.

E ainda se precisa ter em mente que tudo dependia do abandono por Portugal de seu ponto de vista, intransigente no momento, de restabelecer, antes de tudo, a situação anterior à Independência.

A discussão teria de começar a desenrolar‑se em Londres, com a Áustria e a Inglaterra como potências mediadoras. Mas a atitude de cada uma destas divergia da outra. A Grã-Bretanha mantinha seu ponto de vista tradicional de simpatia pelos novos organismos internacionais. A Áustria limitava‑se a agir como amortecedor de choques, conciliadora de pontos debatidos, auxiliando aproximações sem tomar iniciativas próprias. Agindo por essa forma, Metternich representava o papel de um cavalier seul no concerto da Santa Aliança, pois a Rússia estava fortemente prevenida, em nome do legitimismo, contra todos os movimentos independentistas, e mais ainda contra tôdas as constituições. Os demais aliados seguiam os exemplos dados: enquanto a França não estava totalmente livre por causa dos recentes tratados que lhe haviam sido impostos, e de sua intervenção na Espanha que havia provocado e obtido no Congresso de Verona, e por isso hesitava e vacilava em seu rumo político.

À própria Áustria, embaraçada com as questões balcânicas e os carbonari italianos, cabia papel ligeiramente perigoso, por enfraquecer sua solidariedade na Aliança. Nisso, o sentimento paterno movera Francisco I, atendendo à solicitação da filha, imperatriz do Brasil; e Metternich talvez se deixasse engodar pela miragem de trazer a seu país a clientela brasileira, solapando assim a posição dominante da Inglaterra em Portugal, o eterno protegido dos governos britânicos.

De qualquer forma, não podem ser obscurecidos os serviços prestados pela Áustria no Brasil. Foram de primeira ordem, pois sempre tenderam a criar ambiente de moderação em Lisboa, prodigalizando conselhos de prudência e de harmonia, por um lado; por outro, no seio da Santa Aliança acalmou impulsos que, doutra forma, levariam a esmagar a colônia americana revoltada, assim  p104 como essa associação política tencionava fazer para com as colônias hispano-americanas rebeladas. Por tais razões, o nome de Metternich deve ser recordado no Brasil com gratidão. Fôssem quais fôssem as fontes psicológicas e políticas de sua ação, de fato, sempre se revelou auxiliar poderoso e avisado da causa de nossa terra.

60. Londres, centro das negociações na Europa. — Canning, Felisberto Caldeira Brant Pontes. — Canning, fora de dúvida, era o espírito diretor de todo o debate, não cedendo a palma a ninguém, e apenas igualado pelo primeiro negociador brasileiro, o marechal Brant. Êste diplomata, mais tarde elevado a Marquês de Barbacena, revelou‑se a figura preeminente da política imperial no primeiro reinado.

A princípio, nenhuma discussão proveitosa parecia possível, pois Portugal exigia a submissão pura e simples da antiga possessão americana. Aos poucos, os esforços estrênuos do secretário do Estado inglês convenceram a ambos os grupos de plenipotenciários silenciassem sôbre a Independência, por um lado, e sôbre a soberania portuguêsa, por outro; assim, seria lícito discutir como se poderiam reatar novamente relações pacíficas e estáveis.

Brant havia‑lhe entregue um memorial com as cláusulas pretendidas pelo Brasil; delas fêz Canning a base de seu próprio trabalho, ajuntou‑lhe pontos desejados por Portugal, e, após longos e relutantes debates por parte da gente de Lisboa, mandou o documento para o reino para ser estudado pelo govêrno luso. Aqui, a condenação foi integral, e outro plano foi sugerido, como contraproposta. Para evidenciar a oposição dos pontos de vista, basta apontar para o fato de que, enquanto Canning e Brant firmavam o reconhecimento da Independência por D. João VI, a nova idéia da antiga metrópole consistia em estabelecer a suserania régia sôbre o Brasil. Era claro que nenhum debate útil se poderia estabelecer, nem se lograria firmar acôrdo entre nações tão afastadas. Após incidentes numerosos e vários, tanto na América como na Europa, pararam os pourparlers de Londres, e a negociação cessou.

Decidiu Canning, então, tomar em mão o conflito. Nomeou o conhecido diplomata Sir Charles Stuart, antigo embaixador em Paris, para missão especial de ir a Lisboa explicar ao antigo  p105 aliado que a Grã-Bretanha se via forçada por seus interêsses próprios a aceitar a Independência brasileira, e que êle mesmo, Stuart, teria de partir para o Brasil com êsse encargo. Preferiria, contudo, fazê‑lo após ter Portugal aceito os acontecimentos definitivamente consumados. Foi depois de longas discussões sôbre êsse ponto, que êle partiu para o Rio, munido da plenipotência portuguêsa.

Não é êste o lugar próprio para detalhar as novas negociações. Stuart havia recebido de D. João VI, pessoalmente, podêres latos bastantes para que pudesse agir do modo por que entendesse melhor para os interêsses do reino e para, a qualquer custo, fazer as pazes. Dêles usou no Rio, e, após longas, duras controvérsias sôbre palavras e condições, logrou chegar a uma conclusão pacífica, que foi assinada a 29 de agôsto de 1825.

Haviam triunfado a causa e os pontos de vista do Brasil. No grupo de convenções então assinadas não figurava coisa alguma sôbre o tráfico de negros: fôra adiado para acôrdo ulterior, que mais tarde seria estudado. A sucessão à coroa portuguêsa não se viu mencionada: a Constituição brasileira permitia tal sucessão, em determinadas condições, e as leis do reino não se modificavam; assim, permanecia uma base que permitia atender aos desejos de D. João de ter por sucessor o Imperador do Brasil, base duvidosa, entretanto, pois sôbre ela subsistiam fortes dissídios e dúvidas. Tal solução, pelo silêncio pôsto ao problema, deu causa a infinitas dificuldades ulteriores.

Logo após êsses tratados, começaram as adesões ao Reconhecimento a ser recebidas no Rio de Janeiro.

Tão exacerbadas e exaltadas corriam as paixões políticas no Brasil, que as mais graves acusações se faziam a todos os negociadores, quanto à convenção financeira anexa ao tratado. Não desapareceram, nem mesmo após a demonstração convincente e exaustiva pela qual o govêrno justificou a previdência e justiça absoluta de seu proceder.

Os Andradas e seus amigos haviam, em sua oposição, semeado tais germes de desconfiança contra D. Pedro e seus conselheiros, que não cessou a hostilidade contra o Imperador e seus auxiliares de govêrno, nem mesmo após a abdicação do primeiro, seis anos mais tarde.


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Página atualizada: 4 Out 13