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Esta página reproduz um capítulo de
Formação Histórica do Brasil
de
João Pandiá Calógeras

Companhia Editora Nacional
São Paulo, 1966

O texto é de domínio público,
exceto para meus anotações.

Esta página foi cuidadosamente revisada
e la creio livre de erros.
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por favor me avise!

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Capítulo 2

 p3  Capítulo I

Descobrimento e Colonização

A opinião geralmente aceita, oficial, é que o Brasil foi descoberto a 22 de abril 1500 por uma esquadra portuguêsa comandada por Pedro Álvares Cabral.

Durante séculos, tal versão foi pacífica, ninguém se opondo à larga fama mundial do descobridor. Já não é esta a situação presente do caso, pela excelente razão de que papéis de arquivos e documentos da época foram encontrados em Lisboa e alhures, dos quais se infere que, antes de Cabral, outros navegantes e exploradores podem ter visitado a América do Sul e o Brasil.

1. O problema do descobrimento. — Em conseqüência do achado, todo o problema tem de ser revisto. Tal posição pode parecer paradoxal e surpreendente: uma afirmação velha de quatrocentos anos a tornar‑se duvidosa, pela evidência de livros esquecidos e de fragmentos de manuscritos roídos pelas traças. Para compreender e admirar a possibilidade, entretanto, tem de ser relanceado o meio lusitano, perfontòriamente embora, nos séculos XVXVI.

A surprêsa, contudo, não pode ser grande para estudiosos dos primórdios da história americana. Acontecimento análogo ocorreu no hemisfério norte: pouco tempo, relativamente, faz que se adquiriu certeza da viagem de Leif Eriksen a Vinland, cinco séculos antes de Cristóvão Colombo; e, talvez, antes mesmo do viking escandinavo, outros hajam aportado à América Setentrional.

Em seu notável livro sôbre os Estados Unidos, Max Farrand evocou ùltimamente a tradição ainda vigente nas mais antigas  p4 famílias de Terra Nova sôbre a viagem de João Cabôto, em 1497, vindo a descobrir o que êle já sabia existir pelos dizeres de pescadores de Jérsei, provàvelmente conhecimentos anteriores à navegação do genovês.

Coisa semelhante aconteceu em Portugal, partindo, porém, de outro quadrante.

Orla continental estreita do litoral atlântico da península ibérica, Portugal contava menos de milhão e meio de habitantes, largamente ultrapassados por seus vizinhos e rivais de Castela, competidores ainda das aventuras de navegação. Inglaterra, em grau menor, mas França, em larga escala, buscavam descobrir e conquistar novas ilhas e continentes. Pirataria era hábito comum às naus exploradoras de tôda espécie e de tôdas as procedências, das frotas barbarescas preando as galeras de Gênova ou de Veneza ocupadas no comércio de especiarias orientais, através do Egito ou de Istambul, aos corsários franceses a saquearem o ouro de Espanha e os galeões da prata ou os barcos portuguêses carregados de pau‑brasil.

Potência mais fraca, de todos os pontos de vista, Portugal só tinha um caminho a seguir: esconder sua atividade. Sendo os melhores cosmógrafos e pilotos de tôdas as nações navegadoras, possuíam meios e dêles usaram, para ostentar, ou antes conseguir, os mais altos resultados e os mais notáveis feitos.

Cometimentos da mais funda ciência de marear, tanto em Portugal como em Espanha, deviam‑se a marinheiros lusitanos. João de Sólis, Fernão de Magalhães eram dêstes, contratados em Servilha pela Casa de Contractación. Colombo, genovês de nascimento, possuía prática de marinharia exclusivamente portuguêsa.

2. O segrêdo oficial. — Sabedores conscientes de que não poderiam resistir aos golpes de reinos mais fortes, os soberanos de Aviz haviam adotado em suas peregrinações atlânticas uma política de constante defesa: o segrêdo.

Não era lícito publicar mapas, portulanos ou relações de viagem. A ser absolutamente imprescindível pôr por escrito qualquer apontamento, isto se fazia de tal modo que nenhum dado fidedigno pudesse ser aproveitado pelo público. A regra  p5 invariável fôra imposta desde o alvorecer do século XV, quando o infante D. Henrique começou a dirigir soberanamente tôda a expansão marítima da marcha do comércio do reino, de seu ninho feudal de Sagres, escola naval de aprendizado, centro de instruções náuticas e de ciência geográfica, promontório onde assentou o facho de energia e de luz que aclarou o Atlântico inteiro.

D. João II foi seu herdeiro intelectual e político, e conformou seu govêrno às linhas traçadas por seu grande precursor. De 1415 a 1495, durante oitenta anos, portanto, não variaram alvos e métodos. D. Manuel I, seu sucessor imediato, ainda lhes obedeceu aos ditames até a sua morte em 1521. Era, pois, um axioma político de Portugal, invariàvelmente seguido por mais de um século.

Os progressos científicos hodiernos permitiram inquirir êsses problemas, baseados em face de certo acúmulo de documentos, ainda insuficientes em número e valor para lograrem afirmar uma evidência inconcussa. Prova, a mais, do quanto eram estrita e impiedosamente seguidas as ordens de el‑rei e do quanto eram severas.

Para exemplificar, podemos apontar a ressurreição do antigo sistema fenício pôsto em prática por Portugal. Êsses históricos senhores do mar, em uma das sucessivas talassocracias mediterrâneas, tinham o conhecimento secreto das minas de estanho de Cornualha, donde tiravam e levavam para Tiro seus suprimentos de metal. Para garantirem tal monopólio, afundavam sem dó navios e tripulações estrangeiros encontrados além das Colunas de Hércules, o atual Estreito de Gibraltar. Do mesmo modo agiam os portuguêses, quanto às naus achadas dentro dos limites fixados pelas bulas papais, fixadoras dos limites das possessões da coroa de Aviz. Era isto o meio de assegurar‑lhe as ilhas atlânticas e o caminho marítimo para a Índia.

Regras terríveis, obedecidas e postas em práticas irremissìvelmente, permitiram aos portuguêses conservar segrêdo sôbre suas descobertas oceânicas.

Tal é a explicação da recusa de D. João II, quando Colombo lhe fêz suas propostas, antes de as renovar aos reis de Espanha. Propunha o genovês imortal a travessia direta de Lisboa à Ásia  p6 através do Oceano Atlântico. Ora, possuíam os soberanos lusitanos, seus estadistas e seus nautas, conhecimento mais exato das condições geográficas e não ignoravam que de permeio à Europa e à Índia jazia outro trecho continental.

3. A atitude portuguêsa em Tordesilhas. — Por êsse motivo, quando, ao regressar, Colombo proclamou sua suposta descoberta de ilhas circunjacentes à China, os portuguêses, seu rei à frente, lhe responderam que as terras achadas se locavam dentro dos próprios domínios de Aviz, quais o papa os havia definido.

Ao Labrador, por 1472‑1474, havia provàvelmente atingido velho pilôto português, João Vaz Côrte Real. Outro, Estêvão Fróis, em carta ao seu monarca, alegava uma viagem à América do Sul, por 1498, talvez mesmo anterior a essa data.

O debate de Tordesillas, sôbre a longa divergência quanto à linda meridiana entre as possessões das duas coroas, assumia importância capital para o príncipe de Aviz: resguardava o mistério dos descobrimentos portuguêses.

Finalmente, Duarte Pacheco Pereira, em seu célebre De situ orbis, adianta o surpreendente asserto de que estivera no Brasil, em 1498, por ordem de D. Manuel.

Neste caso, e tudo converge para confirmar a veracidade da asseveração, Duarte Pacheco deveria ser considerado o descobridor real do Brasil, passando Pedro Álvares Cabral a possuir o mero título oficial de inventor. Em sua esquadra, em 1500, ia também o primeiro herói, rumo da Índia onde se lhe depararia, ainda, glorioso destino a cumprir.

Por que semelhante silêncio? Por que tal sacrifício de um grande português ao outro? É êsse um dos mistérios do problema. Está provàvelmente conjugado e se relata com a política do segrêdo nacional seguida em Lisboa. Excederia ao plano dêste ensaio tentar explicá‑lo aqui.

A situação do reino, quer política quer social, era de extrema delicadeza. Após a viagem triunfal de Vasco da Gama, em 1497‑1499, havia surgido um escambo com a Índia Oriental, quase pacífico a princípio, cheio de peripécias militares logo em seguida. As principais mercadorias trocadas constavam de especiarias, barganhadas por panos de Europa, cobre e quinquilharias.

 p7  As cotações da pimenta e do cravo haviam caído na razão de 4 para 1, como conseqüência dos grandes carregamentos trazidos a Lisboa, e daí levados para Antuérpia. Até 1510, ainda valia a pena negociar em tais gêneros. Dessa data em diante, porém, cresceram as dificuldades, e a perspectiva comercial começou a se revelar menos favorável do que se supusera. Ainda assim, Portugal não abandonou sua miragem indiana.

Custou‑lhe tal política imensas reservas de energias de tôda sorte: tripulações, navios, recursos. Provou inteiramente ruinosa, em prazo breve, desde os primeiros anos do terceiro decênio do século XVI, e de fato levou o país ao expediente de empréstimos, tanto internos como estrangeiros, que fizeram falir prestamistas e devedores.

Por 1530, entretanto, não pareciam as circunstâncias tão desesperadas assim, e a ilusão da Índia Oriental ainda predominava nos planos da atividade portuguêsa.

O descobrimento do Brasil acumulou novas e crescentes dificuldades sôbre o Real Erário. A terra provava pobre. Nenhuns metais de valia. Nem diamantes, nem rubis, nem pérolas. Papagaios, macacos, pau‑brasil, escravos poucos e inferiores, por demais acostumados à sua independência, para lograrem resistir à perda da liberdade. Em suma, mau negócio.

4. Porque se conservou a conquista. — E, contudo, não era admissível se abandonasse o Brasil.

Posição flanqueadora do caminho oceânico para a Índia, em tôrno do Cabo de Boa Esperança, poderia valer como proteção e como ponto de refrêsco das naus da Ásia. Por outro lado, já havia começado, na costa do Pacífico, a revelação das fabulosas riquezas do Peru, após os tesouros saqueados, no México, de seus imperadores, seus nobres e seus templos. Opinava a superstição da época ser o Oriente superior ao Poente; o Brasil, portanto, encerraria maiores divícias ocultas do que a contracosta. O tratado de Tordesilhas, ao dividir a América, lesara Portugal, e esse olhava para o futuro, dêste esperando um possível arranjo que lhe melhorasse a fronteira divisora: primeiro passo para tal fim seria estabelecer‑se bem e sòlidamente no litoral oriental.

Lisboa e Madri não se hostilizavam. Laços de família e interêsses comuns consolidavam as relações entre as duas côrtes,  p8 embora na América estivessem divididas e agissem em rumos opostos.

Finalmente, Francisco I de França era adversário de ambas as soberanias ibéricas. Contestava as pretensões de ambas a uma posse comum do mundo exterior à Europa, e declarava nunca ter visto a cláusula do testamento de Adão que concedia tal império a D. Manuel e a Carlos V.

Ademais, o pau‑brasil era gênero de valor, embora em escala menor do que os produtos indianos. Corsários franceses costumavam cruzar entre os Açôres, Cabo Verde e Portugal, cortando a rota dos barcos que da América do Sul voltavam à metrópole e apoderavam‑se tanto dos lenhos como das guarnições e dos carregamentos. As perdas da península provenientes de tais capturas eram pesadíssimas, e causavam longas e difíceis controvérsias diplomáticas em Paris, para aí levadas pelas partes prejudicadas. Nada valiam tais esforços. Francisco prometia não conceder cartas de corso, e assim dizia oficialmente; sub-reptìciamente, porém, as concessões tinham lugar, e as prêsas continuavam como dantes.

Tão longe foram, que por 1530 seria motivo de hesitação responder se o Brasil tornaria francês ou permaneceria lusitano, tão forte era a pressão exercida pelos primeiros sôbre os segundos.

Com o intuito de melhorar a situação e solver vários dêsses problemas, D. João III enviou algumas caravelas sob comando capaz, com ordens estringentes para afundar os barcos entrelopos estrangeiros. Cristóvão Jacques, almirante da esquadra de combate, destroçou‑os; a êle se deve o ter, por prazo curto, refreado de enfrentar a contenda consistiram em fixar ao longo da costa atlântica núcleos permanentes de população.

5. Missão de Martim Afonso de Sousa. — Esta foi a missão que o almirante Martim Afonso de Sousa foi incumbido de realizar em 1530, no Brasil. Com êste fidalgo notável, soldado valente e brioso tanto quanto estadista de valor, começa pròpriamente a história do Brasil.

Enviou seus navios a percorrerem o litoral de norte a sul, com o fito de lhe traçar o mapa. A carta de Viegas, de 1534,  p9 resultou dêsse esfôrço geográfico: ainda hoje merece atenção e respeito, com primeira tentativa de esbôço de contôrno aproximadamente verdadeiro.

Chantou padrões de posse lusitana em lugares vários. Ao norte, o último dêles ultrapassava ligeiramente o traço tordesilhano, para oeste. Ao sul, porém, excedeu‑se em muito, e foi tanto para o Ocidente que plantou a divisa a meia distância entre os sitios onde hoje se encontram Buenos Aires e Santa Fé. Êste era o primeiro passo para renovar a discussão fronteiriça.

Entrementes, afundou ou capturou, tripulando‑as com seus marinheiros, as naus corsárias francesas. Destruiu uma feitoria inimiga no continente, e construiu outra, em que pôs uma guarnição portuguêsa, nas vizinhanças de Pernambuco. Ao sul, junto ao atual pôrto de Santos, fundou um arraial, São Vicente, e, já acima das serra próximas no altiplano interior da borda da bacia platina, iniciou outro vilarejo, Piratininga, nascedouro da hoje cidade de São Paulo.

Essas duas fundações, por um lado Pernambuco, São Vicente-São Paulo por outro, destinavam‑se a ser as bases para solver dois problemas que Portugal tinha de enfrentar. Pernambuco, no centro da zona produtora do pau‑brasil, seria cabeça e guia da guerra contra os entrelopos, mormente franceses, e assim teria de decidir se o nôvo continente caberia a França ou à coroa de Aviz. A São Vicente-Piratininga ficava devolvida a tarefa de cuidar da contenda lindeira, e de ser o quartel-general dos avanços bisseculares e dos ataques levados rumo do Paraguai, de Potosi e das riquezas do Peru. Tanto que uma das primeiras ordens emanadas de Martim Afonso foi se organizasse uma expedição "contra o inca", como apelidava ao Peru.

Prova de sua extraordinária previsão, sua obra ainda está de pé e durante séculos se desempenhou da missão que lhe havia sido atribuída.

São Vicente e São Paulo, a antiga Piratininga, durante centenas de anos foram os postos avançados donde irradiaram as expedições militares à procura da fronteira sulina, cujo resultado final foi o avanço da linda até o Paraguai e o Uruguai. A longa disputa foi definitivamente solvida em dias nossos, por mútuo acôrdo entre o Brasil e seus vizinhos; em largo trecho contestado  p10 pela República Argentina, deu‑nos ganho de causa, em 1895, a sentença arbitral do presidente Grover Cleveland.

Pernambuco, a seu turno, encabeçaria a infindável luta entre franceses e portuguêses, de Cabo Frio, perto do Rio de Janeiro, até São Luís do Maranhão, junto ao Equador. Levou um século a decidir‑se a contestação. Em 1615, simultâneamente nos dois extremos do teatro do sanguinolento conflito, o invasor gaulês foi forçado a capitular e a retirar‑se para seu país.

Bem serviu aos colonos a severa lição. Foi lembrada e guida mais tarde, quando Pernambuco e o Nordeste brasileiro foram avassalados pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais. Após trinta anos de porfiada guerra, os forasteiros viram‑se compelidos a render‑se, abater as armas e regressar à Holanda, em 1654.

6. Utilização da colônia. As capitanias doadas. — Restavam por descobrir‑se os meios e modos de utilizar a colônia econômica e defensivamente.

Pobre em excesso e por demais envolvida em sua aventura índio-oriental, a metrópode não podia distrair recursos para sua possessão americana. Sua experiência própria, alguns anos antes, nas ilhas dos Açôres e na Madeira, tinha‑a levado a adotar um sistema indireto de povoar e administrar seus territórios, através de donatários com podêres quase soberano, vassalos régios, e pagando ao monarca parte das taxas e dos réditos colhidos, mas assumindo os encargos totais das doações.

Para o Brasil aplicou‑se método análogo. Da Laguna, ao sul, até Pará, ao norte, o litoral foi dividido em extensões de cinqüenta léguas portuguêsas. Martim Afonso, pelos seus extraordinários serviços, recebeu em concessão o dôbro, ou cem léguas, e seu irmão Pero Lopes de Sousa, que se havia revelado marinheiro hábil sob o comando do almirante, obteve oitenta léguas. Os limites dessas capitanias não podiam ser acidentes naturais do terreno, pois êste era desconhecido. Achou‑se, como expediente solvedor, a adoção de linhas geográficas, meridianos e paralelos.

Daí surgiram dificuldades de outra natureza. Onde a costa corria de modo geral de norte a sul, a orla marítima corresponderia mais ou menos à largura da doação pelo sertão adentro.  p11 Mas onde o rumo mudasse de N. S. para E. O., a largura real vinha reduzida. Do Cabo São Roque para Maranhão e Pará, o mesmo se reproduzia, em S. E. para N. O., em ângulo normal ao trecho de São Roque a Laguna. E aí a mesma conseqüência se dava com os meridianos, como ocorria no trecho mais a Sul.

A mesma doação nominal aplicava‑se, portanto, a áreas muito diferentes. Êsse era, entretanto, apenas um entre os inconvenientes dos sistema, e certamente dos menos importantes. Tudo dependia, de fato, do valor do donatário, de seus recursos, de sua capacidade organizadora e de comando. Dêles, a maioria falhou lamentàvelmente. Após certo tempo, uns vinte anos, por 1554, sòmente se desenhava êxito para três: Pernambuco, São Vicente e Santo Amaro.

O método, contudo, não era essencialmente mau. Tanto que outras nações colonizadoras, a Inglaterra por exemplo, adotaram suas linhas gerais para suas colônias americanas.

7. Pontos fracos das donatarias. — Começou Lisboa a sentir os pontos fracos das capitanias, a partir do fim do quinto decênio do século XVI. Do Brasil chegavam ao reino cartas ao monarca, implorando socorro contra os índios e contra os franceses. Mande‑nos auxílio, dizia a grande massa das queixas, ou tôda a emprêsa perecerá. De Paris, o ponto principal para sentir e conhecer a tensão real das relações entre os dois governos, o embaixador português afinava sua correspondência pelo mesmo diapasão.

Havia acôrdo geral em achar excessivos os podêres dos donatários. Nada conjugava as diferentes capitanias. Todos os esforços, em vez de concertados em vista de um alvo comum, eram desconexos e perdiam seu pêso e seu valor pela desordem dos rumos. Por último, as perspectivas quanto à capacidade dos escolhidos para tais emprêsas eram de quase fracasso, por suo inaptidão.

Graves dificuldades acresciam, derivadas da conduta tumultuária de largas frações do elemento povoador.

À semelhança da Austrália, que no século passado sofreu de ter sido uma colônia penitenciária, o Brasil recebeu conjuntamente o refugo de Portugal, assim como colonos de excelente  p12 origem e, mesmo, representantes de ramos pós-gênitos da nobreza do reino. A autoridade dos capitães, nominalmente ilimitada, possuía, entretanto, eficiência reduzida, variável de lugar a lugar. Duarte Coelho, por exemplo, em Pernambuco, tinha fama de severo, estrito, obediente à lei, duro no chefiar. De sua donataria fugiram os transgressores da lei e as cabeças esquentadas e irrequietas.

Era de absoluta necessidade existir um código comum, administrativo e penal. Uma autoridade superior, forte, próxima, capaz de instantâneamente tornar efetivas suas decisões, tinha de ser criada, além da do soberano em Lisboa, distante, teórico e de ação demasiado demorada.

8. Organização religiosa. — Os laços religiosos, de frouxos, quase haviam desaparecido. Sacerdotes raros, e êsses mesmos de vida escandalosa e sem valia moral; áreas imensas, de população disseminada, que era impossível guiar pràticamente segundo o pensamento divino, pois as distâncias eram excessivas e os padres escasseavam. Todos êsses fatôres conduziam à desordem ética, muito pior do que a vida espiritual dos índios primitivos. Além disso, em assuntos eclesiásticos, nada se resolvia in loco, e tudo dependia de deliberações tomadas em Funchal e Lisboa, sede diocesana o primeiro, e igreja metropolitana a outra, do território colonial. Nova diocese teria de ser criada na América do Sul.

Ademais, as massas infiéis tinham de ser chamadas ao grêmio da catolicidade, e uma milícia especial tinha de se formar para pregar e ensinar o Evangelho.

Solver todos êsses pontos, vitais todos êles, exigiria algum tempo.

El‑rei, em 1549, expediu nôvo ato, limitando os podêres dos capitães, e nomeando um governador-geral para o Brasil. A criação de diocese, entretanto, dependia de Roma, que só em 1551 providenciou sôbre o caso. Quanto a missionários, foram imediatamente enviados na mesma esquadra que trouxe à colônia o primeiro governador: havia recaído a escolha na congregação dos jesuítas, recém-nata do gênio de Inácio de Loiola.

 p13  9. Colaboração cordial do poder civil com a Igreja. — Para a terra foi uma bênção serem tanto o governador como o superior da missão homens de excepcional relêvo, e que assim mereciam ser considerados em qualquer país e em qualquer tempo. Tomé de Sousa e o padre Manuel da Nóbrega tornaram‑se os fundadores do Brasil, segundo as diretivas previstas por Martim Afonso de Sousa. Amigos e trabalhando de mãos dadas, a êles deveu a nova colônia seu surto e seu progresso. Sossêgo, respeito à autoridade, justiça, organização da vida econômica e social, a ambos se deveram.

Durante quase quatro anos permaneceu em seu cargo o primeiro governador. Seu sucessor, Duarte da Costa, não mereceu destaque especial, antes provou ter sido escolha infeliz. Mas o terceiro dêsses altos funcionários, Mem de Sá revelou‑se o verdadeiro e digno continuador de Tomé de Sousa, e, como êste, amigo de Nóbrega e de seus jesuítas.

Prolongou‑se por dezesseis anos seu govêrno, até 1572; colaborou fortemente com Nóbrega. Assim se pode asseverar que, por mais de vinte anos, foi o Brasil homogêneamente administrado por três estadistas capacíssimos, a serviço do mesmo ideal. De 1549 a 1553, Tomé de Sousa e Nóbrega laboraram juntos; em 1557, Mem de Sá chegou e iniciou sua tarefa de reger a terra de pleno acôrdo com Nóbrega até 1570, ano da morte do jesuíta. Dois anos depois, o terceiro governador terminava a sua carreira terrena.

Um dos problemas mais salientes da colônia era a imensa extensão dela. Ainda assim é, hoje em dia. Naqueles tempos remotos, entretanto, obstáculos e dificuldades eram infinitamente maiores, pois faltavam meios de os enfrentar.

Desde o segundo decênio do século XVI se fizera sentir a diversidade das duas missões impostas aos donos do oriente da América do Sul. Do Cabo São Roque a Cabo Frio, o pau‑brasil era a preocupação dominante da metrópole. De São Vicente para o Sul, as questões mais importantes ligavam‑se à vizinhança dos castelhanos na região platina, ao empuxo sub-reptício e silencioso do meridiano separador e ao avanço rumo do Peru, e de suas riquezas. Nessas condições, dois pontos de vista inteiramente diversos caracterizavam as duas seções da costa.

 p14  Bahia, a Cidade do Salvador como era chamada, fôra escolhida para a sede do govêrno. Mas estava ao Norte, na região do pau‑brasil, e os sulistas queixavam‑se de ficarem abandonados. Mem de Sá gastou todo seu período de administração viajando ao longo do litoral, a pacificar os conflitos nascentes, acalmar os colonos ofendidos e furiosos, dirimir querelas entre autoridades européias.

Duas queixas principais eram apresentadas pelos habitantes. Quando Mem de Sá ia para o Rio de Janeiro ou São Vicente, os nortistas murmuravam contra a deserção. Se permanecia na sede de suas funções, e era empenho máximo de seus administrados segurarem‑no aí, gritavam os do Sul e o chamavam para que tornasse rumo das capitais de São Vicente e do Rio, a fim de receberem os auxílios e favores que escasseavam quando o governador seguia para o Norte.

10. Divisão do govêrno. — Com o intuito de sossegar descontentamentos, e dar a cada seção cuidados constantes e promover seu benefício e suas missões, decidiu Lisboa, em 1572, dividir o govêrno: uma sede na Bahia para tratar das exigências do pau‑brasil, outra no Rio de Janeiro, para enfrentar a outra série de necessidades e de reclamações.

Como sempre, a divisão da autoridade deu lugar aos inconvenientes costumeiros. Após cinco anos de experiência, foi o sistema abandonado em 1577, e um único governador-geral tornou a chefiar a colônia.

Segunda tentativa se fêz em 1608, com o mesmo malôgro; durou menos, pois em 1612 a dualidade cessou.

11. Domínio espanhol. — Em Portugal havia ocorrido grande mudança. Da dinastia nacional de Aviz, falecera o último representante, o cardeal-rei D. Henrique, em 1580. Filipe II de Espanha, um dos pretendentes naturais, impôs sua vontade, invadindo o pequeno reino: parte pela fôrça, parte pelo subôrno, logrou ser aceito como soberano legítimo.

Nesse caráter, na América do Sul se tornou senhor do continente inteiro, como dono das antigas colônias espanholas, e das portuguêsas herdadas agora. Trouxe tal fato conseqüências de importância máxima, na fixação da linda. A princípio, pelo  p15 menos nominalmente, Tordesilhas era a regra definidora. Já agora, reinaria certa confusão, pois quer como monarca hispânico, quer como rei lusitano, a totalidade da terra estava sob a soberania de Filipe. Procuraram os colonos aproveitar a situação o mais possível: levaram seus descobrimentos e suas caçadas às peças das Índias cada vez mais para Oeste. Em certos casos mesmo, o govêrno de Madri concedeu oficialmente largas extensões territoriais a portuguêses, sem cuidar de sua situação geográfica quanto ao tratado de 1494.

Tôdas essas circunstâncias se aproveitaram mais tarde, quando a revolução restauradora de 1640 repôs no trono um nôvo rei nacional, D. João IV, o primeiro da linhagem de Bragança. Destarte, ininterruptamente, sem pausa, os limites iam sendo recalcados para Oeste, ampliando a área territorial do Brasil.

Êsse período de sessenta anos de domínio espanhol tornou‑se, dêste modo, de importância capital para nossa terra, contribuindo poderosamente para o surto de uma sorte de sentimento nacional.

12. O elemento local. — A mãe-pátria européia não podia auxiliar sua possessão ultramarina, por estar assoberbada pelas dificuldades da Europa e das Índias Orientais e ser pobre demais para fornecer recursos à América portuguêsa: os colonos, portanto, começaram a contar com sua própria atividade e seus próprios meios e possibilidades. Desde os primeiros dias das capitanias, mesmo antes delas, se bem em escala menor, o cruzamento com os índios havia começado e se tornara prática corrente. Tais uniões eram ilegítimas, a princípio, mas com o tempo se tornaram perfeitamente legais e religiosas, desde as conversões em massa ao catolicismo das tribos originárias; os mestiços oriundos delas ufanavam‑se de sua procedência paterna. Tanto mais, quando, ao contrário do que acontecia com os negros africanos, os casamentos mistos com as cunhãs eram não só permitidos como fortemente preconizados e tidos em alta conta pela lei portuguêsa. Êsses produtos euro-índios, chamados mamelucos, desempenharam largo papel na conquista do país.

Possuíam a astúcia do índio, o conhecimento dos métodos, da mentalidade e dos costumes de seus ascendentes selvagens, e a isto acrescentevam a imensa superioridade das armas e do  p16 apoio dos reinóis. Por seu intermédio, tribos inteiras foram trazidas da selva para os estabelecimentos de litoral e às fábricas rudimentares de açúcar dos portuguêses. Quando a ferocidade e a sêde de sangue, de rapina e de homicídio dos invasores começaram a dominar nas perseguições atrozes dos brancos contra os peles-vermelhas, então — e só então — mudou o apêlo pacífico dos indígenas ao seio do grêmio imigrado de nível social mais elevado e surgiu um período de crueldade estúpida e recíproca. Mas, na maioria dos casos, por culpa do homem branco.

Desde êsse momento, desapareceu a paz e surgiu a fase de violência e de preia. Nesse terreno, tinha de ser solvido o conflito entre as duas raças. O mameluco tomaria o partido do pai branco, contra a parentela da mãe autóctone.

Pouco a pouco, começou a ostentar‑se um grupo racial misto: portuguêses vindos da Europa, os chamados reinóis; portuguêses nascidos no Brasil; meios-sangues, aliados aos genitores brancos; índios pacíficos e amigos. Por certo, não era essa uma regra invariável; entre os índios aliados, nem sempre se considerava a paz como definitiva, e mais parecia um armistício efêmero do que situação definitiva e conquistada; como tal poderia a qualquer momento, sem pré-aviso, ser rôta. Em conjunto, entretanto, com pequenos incidentes, esta feição permaneceu relativamente assegurada, e foi mantida com eficiência em casos freqüentes.

Assim se deu quanto aos invasores franceses, contrabandistas de pau‑brasil. Foi êsse o primeiro exemplo dêsse sentimento solidário, que se revelou semente fecunda de uma política de longo alcance. Em outros estudos, chamamos a essas lutas a primeira guerra nacional nossa, apesar do relativo exagêro da denominação: um sentir de união, de inimizade comum contra um terceiro, ainda não constitui, é certo, um ideal nacional. Inda assim, esta guerra do pau‑brasil, que durou quase um século (1520‑1615), uniu e manteve coesos elementos desconexos e heterogêneos, cuja colaboração estêve sujeita a fôrças desintegradoras enérgicas, mas às quais pôde resistir de ano para ano mais vitoriosamente. O grupo hostil, franceses e índios de outras tribos, não possuía a mesma resistência duradoura: os franceses iam e vinham, e não eram elementos permanentes como os colonos portuguêses. Sua ação e seu influxo eram episódicos, enquanto os dos lusos provavam constante e irremovível.

 p17  A sensação de serem mais próximos uns dos outros, do que dos invasores vindos de França, avultou entre os portuguêses, gente vermelha e mamelucos. Agüentou a prova de 1625, quando os holandeses da honrada Companhia das Índias Ocidentais iniciaram seu plano de conquista do Brasil.

13. Lutas com a Holanda. — Portugal, como parte de Espanha, estava em guerra com Holanda. Tanto nas Índias Ocidentais como nas Orientais, as colônias portuguêsas foram atacadas, tomadas e perdidas. Um primeiro assalto batavo, em 1624, resultou na tomada da Bahia; mas foram os vencedores finalmente expulsos daí no ano seguinte. Dois anos depois, a mesma cidade foi novamente atacada, mas a fôrça nórdica reembarcou apenas com produtos da pilhagem. Em 1630, uma grande esquadra entrou em um pôrto da costa de Pernambuco, e daí atacou as cidades principais da capitania: Olinda e Recife. Durante dois anos, estiveram impossibilitados de alargar sua conquista, até que lograram obter o auxílio de um trânsfuga, Domingos Fernandes Calabar. Com a cooperação dêsse valioso comparsa, ampliaram a área dominada à maior parte da costa dos hoje Estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Chegaram mesmo a atravessar o Atlântico, e apoderar‑se de Loanda na África.

Com seus numerosos conflitos na Europa, Espanha não tinha tropas de reserva para remeter a colônia americana contra os holandeses. Experimentaram fazê‑lo, em 1636, mas foram infelizes. As esquadras de combate espanholas possuíam valor militar inferior ao das flamengas. Assim todo o pêso da luta foi devolvido sôbre as tropas irregulares de terra, que conseguiram manter seu terreno e nada mais.

14. A Restauração. — Ocorreu então a restauração portuguêsa de 1640. Tôdas as energias do reino recém-liberto tinham de se empregar na guerra contra Castela. A colônia americana não poderia contar com auxílios quaisquer por parte da metrópole, e teriam de enfrentar, êles próprios, o pêso da contenda.

Venceram em tôda a linha. Uma expedição naval zarpou do Rio, investiu Loanda e expugnou a guarnição holandesa dos fortes locais, forçando‑a a reembarcar para os Países-Baixos. Progressivamente,  p18 no Brasil, estavam os batavos sendo repelidos do interior para Olinda e Recife, até que, em 1654, tiveram de se render.

Era êste, para Portugal, um aviso sério. Não existia idéia de secessão, mas o fato de haver a colônia feito mais do que a metrópole em um ponto crucial como êste, e de haver conseguido, pràticamente abandonada pela mãe-pátria, vencer a guerra que essa não se animara a empreender, muito podia e devia significar . . . A própria paz, em seguida à capitulação incondicional do Recife, teria de obedecer aos ditames da colônia muito mais do que às diretivas de Lisboa.

Impavam de orgulho os colonos. Eram êles os vencedores, e haviam provado ser os iguais, se não os superiores, dos portuguêses da Europa. A partir dessa fase, começou o Brasil a pesar de mais em mais na política de Portugal. Na América, nasceu e iniciou seu desenvolvimento um sentimento nacional, a tomar consciência de sua valia.

15. O vice-reino. As minas. — Um governador-geral era autoridade insuficiente para reger os destinos da terra. Desde 1640, um vice‑rei foi nomeado para a Bahia, embora a designação oficial do país como vice‑reino só tivesse lugar um século mais tarde.

As rendas cresciam lentamente, mas sem cessar. A colônia ia aos poucos pagando seu custeio e tornava‑se negócio melhor. Não onerava o Real Erário, e produzia réditos que iam invariàvelmente crescendo, provenientes de taxas, arrendamentos, contratos e monopólios régios. Um elemento, contudo, faltava ainda, precisamente aquêle que o govêrno mais ansiosamente esperava: os metais preciosos.

Parcelas pequenas de ouro haviam já sido encontradas nas capitanias do Sul, e o rei português D. Pedro II multiplicava esforços e recomendações junto a seus vassalos do Brasil para intensificar as pesquisas. Aos maiorais de São Paulo, onde se achavam os mais notáveis exploradores do sertão, convidava para redobrar de esforços na solução do enigma. Em trinta anos (1694‑1725), os mais ricos depósitos de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás foram descobertos. Iam subverter a ordem das coisas em Portugal e no Brasil.

 p19  Nunca pensara a metrópole receber tal riqueza de sua colônia. Tudo cedia o passo à preocupação dominante: tudo envidar para auxiliar a produção máxima de ouro, incrementando as remessas. Até aí, as exportações do Brasil derivavam da agricultura e da pecuária. Agora, o reino mineral dava a deixa para a produção colonial. Bahia, o antigo centro econômico, arriava a bandeira perante o Rio de Janeiro como fator de riquezas. A fama espraiou‑se de tais divícias, e levou ao pôrto de Guanabara a cobiça dos piratas e corsários, ansiosos por conquistar a cidade e exigir‑lhe pesados resgates.

16. Recuo do meridiano demarcador. — Por outro lado, a expansão política da população havia ocorrido. Exploradores, práticos de mineração, caçadores de escravos, tinham enxameado para Oeste, além da linha de Tordesilhas, com mui pequena oposição, talvez mesmo nenhuma, por parte de Castela e de seus colonos americanos. Tinham formado núcleos permanentes de moradores, examinando as lavras descobertas e trabalhado, a princípio, com lucro notável. Novas populações haviam surgido dêsse movimento expansionista, e nenhuma possibilidade se ostentava de se conseguir voltar à antiga observância, mais nominal do que efetiva, da fronteira convencionada em 1494. Entre as duas côrtes ibéricas, um entendimento fôra alcançado substituindo o antigo conceito fronteiriço por uma regra nova: abandonar os antigos tratados delimitando os territórios por linhas astronômicas, e fixar a legalidade do domínio pela noção da posse efetiva e contínua.

Não ocorria tal conflito ao Norte, pois a Espanha pouco se preocupava com o vale amazonense, e, por isto, caiu êsse no domínio quase não disputado de Portugal, desde fins da quarta década do século XVII.

Ao Sul, porém, não corriam as coisas com facilidade igual. Longa contenda surgiu do fato da progressão invasora dos colonos lusos. O alvo era a linda pelo rio Paraguai. Em suas expedições, autoridades portuguêsas à frente dos elementos locais de São Paulo haviam fundado em 1680, à margem esquerda do Rio da Prata, a colônia do Sacramento. Quarenta anos mais tarde, em 1719, faiscadores de ouro tinham assentado suas tendas e formado arraial às margens do rio Paraguai, em Mato Grosso.

 p20  Aí se revelava terrível perigo, ameaça seríssima, para a colonização hispânica na América. Em primeiro lugar, descobria‑se a tendência do reino bragantino a fazer do Paraguai o traço divisório, até o Paraná e o Rio da Prata. Se assim acontecesse, Paraguai, uma das mais antigas fundações castelhanas no Nôvo Mundo meridional, teria de desaparecer. Em segunda linha, uma vez em poder dos portuguêses tal fronteira, ficaria aberto aos súditos da coroa de Bragança o caminho de Potosi, assalto a prever às minas cuja prata constituía a maior parte dos réditos do tesouro de Sua Majestade Católica.

Tal previsão não podia ficar sem revide, para impedir golpe de tanta gravidade, vital mesmo, contra as possessões espanholas. O êxito do conflito teria de ser obtida à custa de luta aspérrima de vida ou de morte para os interessados. Século e meio durou a disputa, ora diplomática, ora à mão armada. O tratado de 1828, do qual resultou o nascimento da República Oriental do Uruguai, solveu o problema quanto ao curso inferior do Rio da Prata. Quanto aos trechos a montante do rio Paraguai, desde 1720 cessaram quaisquer esforços sérios de conquista da margem direita, o que sossegou os receios que se poderiam nutrir pela segurança da região mineira de Potosi.

Compendiando os acontecimentos, portanto, o desenvolvimento econômico do Brasil, tanto quanto as contestações internacionais com as colônias castelhanas, apontavam para a conveniência e a necessidade de aproximar o centro de gravidade da vida pública da América portuguêsa das fronteiras mais sensíveis do Sul. Bahia ocupava posição por demais a Norte, quando o ponto predominante dos cuidados governamentais tinha de ser a divisa meridional, e as capitanias auríferas de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

Êste foi o escopo do ato de 1763, elevando o Brasil a vice‑reino, e fazendo do Rio de Janeiro sua capital.

Tal a situação, quando, em 1808, o príncipe regente D. João, que teria de ser o rei D. João VI, transferiu para a América a sua capital lusa, a sede do govêrno nacional.


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Página atualizada: 4 Out 13