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Capítulo 5

Esta página reproduz um capítulo de
Formação Histórica do Brasil
de
João Pandiá Calógeras

Companhia Editora Nacional
São Paulo, 1966

O texto é de domínio público,
exceto para meus anotações.

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e la creio livre de erros.
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por favor me avise!

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Capítulo 7

 p106  Capítulo VI

Lutas no Rio da Prata.
Descontentamento crescente.
Abdicação de D. Pedro I

Mal haviam terminado as fainas do reconhecimento do Império, pelo tratado de 1825, quando novas dificuldades surgiram. A 10 de março de 1826, morria D. João VI, e o problema da sucessão do trono português vinha pôr‑se e exigia solução imediata.

61. Abdicação da coroa portuguêsa. — O velho monarca, bem como seus ministros em Lisboa, tudo haviam preparado no sentido de coroar D. Pedro, embora objeções muito sérias se pudessem opor, e foram realmente oferecidas, sôbre a legitimidade da medida. O próprio Imperador nutria dúvida sôbre êste ponto. Ainda assim, aceitou a herança, tomou algumas providências da mais alta importância para assegurar a sucessão, tais como conceder uma Constituição e publicar uma anistia geral, e abdicou em favor de sua filha D. Maria da Glória, a qual deveria desposar, quando núbil, seu tio D. Miguel.

Todos êsses arranjos desfecharam em dificuldades inauditas. O resultado foi a revolução legitimista, a entronização de D. Miguel em Portugal. Até certo ponto, o Brasil, e o Imperador, certamente, viram‑se envolvidos nessas lutas ultramarinas.

No Rio de Janeiro, e especialmente na Assembléia, tôdas essas complicações ecoavam.

 p107  62. Hostilidades entre o Imperador e a Câmara. — Cumpre não esquecer que Constituição e parlamentarismo eram coisas novas no Império. D. Pedro, embora um liberal por instinto, era um ignorante em quanto se relacionava com leis, govêrno e direito público. Interpretava e punha em prática as cláusulas constitucionais segundo processos absolutistas. Enquanto isto se dava, as cabeças diretoras do Parlamento queriam firmar os alicerces de um verdadeiro govêrno de gabinete.

Se, entre Executivo e Legislativo, existissem laços reais de simpatia e mútua boa vontade, algum entendimento seria procurado e algo teria de se achar. O desempenho da tarefa governativa correria menos áspero e resistente.

Com rara exceções, porém, tudo cooperava para separar os elementos políticos, e escassa era a simpatia entre representantes dos dois podêres. A vida dissoluta do Imperador; o baixo nível de muitos de seus mais íntimos amigos e conselheiros, quase todos portuguêses; a crescente desconfiança oriunda da oposição de 1823; os têrmos da convenção financeira de 1825 tida por injusta quanto ao Brasil e favorável em demasia para Portugal; a incompetência revelada em vários atos internacionais; todos êsses fatôres, entre outros menores, haviam separado o soberano e os deputados. No Senado, onde se encontravam quase todos os próceres da Independência, colaboradores da primeira hora, não se manifestava hostilidade da mesma natureza, pelo menos exaltada no mesmo grau.

A tôdas as divergências dominava a acusação de que D. Pedro mais pendia para Portugal, do que para o Brasil. Berrante injustiça — mas essa é a lógica da ingratidão humana. E a conduta do Imperador os levava, em numerosas ocasiões, a verem confirmadas suas opiniões.

Sir Charles Stuart, a exemplo do que fizera com as instruções portuguêsas sôbre o tratado de paz, havia igualmente excedido as ordens inglêsas quanto ao tráfico de negros, e ao tratado de comércio. Ambos haviam sido rejeitados pelo Foreign Office.

Nôvo ministro, Robert Gordon, fôra nomeado para o Rio de Janeiro, e os documentos assinados sôbre essas duas questões estavam causando apreensões no tocante à sua repercussão  p108 sôbre o comércio e a agricultura. 1830 seria o último ano de importação de escravos africanos; depois dessa data, seria tal navegação tida como ato de pirataria. Sentia‑se a opinião pública fundamente por estipulações dessa natureza, pois elas submeteriam marinheiros brasileiros ao julgamento por tribunais estrangeiros e segundo leis inglêsas.

No tratado de comércio, nada se conseguira para abolir o odioso privilégio da conservatória, a não ser a promessa de o revogar quando a legislação brasileira houvesse consignado elemento de substituição conveniente.

No tratado com a França, existiam estipulações perpétuas, agrilhoando o desenvolvimento do país. Verdade era, que só desta vez se cometeria tal monstruoso êrro.

Nos demais acordos internacionais, a duração das cláusulas variaria de seis a quinze anos.

Pior ainda, todos os pactos só se mandavam à Assembléia depois de ratificados, o que anulava a cooperação parlamentar, e isso era tido por verdadeira irreverência. Chegava‑se desta maneira a um impasse: o govêrno não modificava suas práticas, e o Parlamento não tomava conhecimento dos tratados. Fácil é compreender a má vontade originada dessa divergência com os ministros e o chefe do Estado.

Só em 1831, após a abdicação e durante a regência, veio a ser observada e seguida a teoria verdadeira de colaboração dos dois podêres, e isso mesmo por disposição especial de lei sôbre o funcionamento da regência.

Outra ocasião e motivo de dissídio consistiu no silêncio adotado quanto à marcha dos negócios públicos. O Parlamento exigia relatórios ânuos sôbre a gestão dos interêsses nacionais, e os ministros relutavam em obedecer a tal preceito constitucional. Nesse ponto, contudo, tiveram de ceder, e iniciaram dentro em pouco prazo o costume de enviar seus relatórios periódicos a ambas as câmaras da Assembléia.

Tais atritos e dificuldades eram próprias e naturais em período no qual nenhuma prática existia quanto a funcionamento do sistema parlamentar, e o maquinismo não possuía, para o lubrificar, nem boa vontade recíproca nem conhecimento suficiente  p109 da experiência alienígena. Cada dia aumentava e piorava a gravidade da situação, e firmava o antagonismo direto entre o Imperador e os representantes da nação.

63. A Cisplatina. — Pondo de parte tais discussões de direito público, a situação dos negócios era tão grave que, no Parlamento, pesava densa atmosfera a gerar fundo receio e apreensões sem conta. A causa principal de tudo era a insurreição da Cisplatina.

Nada se poderia conceber mais artificial do que a união forçada de 1821.

Três séculos de guerra entre Espanha e Portugal protestavam contra o estabelecimento das tropas de D. João VI à margem esquerda do Rio da Prata, em 1817. Estava aniquilada a antiga metrópole, e as colônias hispánicas contra ela se tinham rebelado e haviam vencido. Buenos Aires, sem fôrças, nutria em silêncio o ódio da impotência. Que poderia ela fazer para expelir o forasteiro invasor? Idêntico era o sentimento da Banda Oriental, tanto quanto contra o dominador português, como quanto aos habitantes da margem direita do caudal.

Prevaleceu a influência de Artigas. Êste herói, a mais pura glória do Uruguai, combatera pela causa da autonomia absoluta; a princípio, fôra vitorioso, mas, depois, vencera‑o a traição. Exilou‑se voluntàriamente, em 1820. Durante sua carreira tôda, nobremente havia merecido o admirável título com que o saudavam seus entusiásticos partidários — Protector de los pueblos libres — o protetor dos povos livres.

Um sentimento era comum a todos êsses platinos: o horror inspirado pelas tropas de Lecor. Não possuíam meios, contudo, para pôr têrmo ao sofrimento: o reino lusitano tinha prestígio e recursos de sobra, para que o pudesse enfrentar a massa quase impotente de seus adversários. Enquanto durasse tal situação de fraqueza, nada poderia ser tentado.

Começaram, entretanto, a mudar as condições dos grupos contrapostos. A revolução do Pôrto, as Côrtes constitucionais, a volta de el‑rei a Lisboa, em 1821, as dificuldades crescentes entre portuguêses da metrópole e os de além-mar, tudo isso minava o poder e a influência da monarquia bragantina. A missão de  p110 Correia da Câmara a Buenos Aires desvendava que o Brasil se não sentia tão seguro quanto dantes, e procurava obter a simpatia, quiçá a colaboração, de outros povos.

Após a Independência, estava o Brasil a braços com distúrbios internos graves, na Bahia, no Maranhão. Mesmo em Montevidéu, o exército de ocupação ficara partido a meio: metade, portuguêsa, obedecia a D. Álvaro da Costa e às ordens das Côrtes; a outra parte, brasileira, aderira a Lecor e ao nôvo Império. Os primeiros, assediados dentro da cidade, sofriam os golpes dos demais.

cabildo local pensou chegado o momento de sacudir o jugo estrangeiro, e formou ao lado de D. Álvaro, principalmente quando soube que as Côrtes tinham resolvido o abandono do país, e se supôs que a cidade seria entregue às autoridades uruguaias. Nunca pensara nisto o govêrno de Lisboa, e, quando se deu a evacuação, as fôrças de Lecor entraram na capital uruguaia sem a menor oposição.

Emissários haviam seguido para Buenos Aires, a procurarem e implorarem socorros. D. Juán Antonio Lavalleja, seu chefe, percebeu imediatamente que nada se poderia esperare dêsse lado, apesar da perfeita afinidade de sentimentos existente entre as duas margens da corrente. Não era o govêrno forte bastante, e seu chefe, o general Martin Rodriguez, limitava‑se a tentar obter por via diplomática a retirada do Brasil de Montevidéu, e sua entrega às Províncias Unidas.

Lavalleja tentou obter amparo em outros pontos, em Santa Fé e em Entre Rios. Recebeu promessas. Nas praias do rio Paraná, começou a pelear, mas a agitação dentro em breve se aquietou.

cabildo, então, voltou‑se nobremente para o Império brasileiro e para a Assembléia Constituinte, de ambos implorando, em outubro de 1823, a chamada das tropas para o território imperial. Assim, a Cisplatina e seu povo poderiam livremente manifestar sua vontade, dizia a mensagem. Fôsse qual fôsse o seu pronunciamento, seria unânimemente obedecido, afirmava. Nenhuma atenção se prestou à nobre lembrança.

Em Buenos Aires, emoção pungente eletrizava a todos; nesse problema vinha envolvida parte do antigo vice-reino, e, contra as  p111 autoridades locais, que se mantinham inalteráveis em um momento dêstes, corria em largas ondas o sentimento popular.

Fato nôvo, importantíssimo, ocorreu então: Castlereagh, sustentáculo do legitimismo e dos direitos das metrópoles, suicidou‑se. Do dia para a noite, Canning tomou sua sucessão, e mudou a orientação dos métodos internacionais dos ultraconservadores, os high tories: daí por diante, enquanto Canning foi vivo, triunfou a tendência do grande comércio inglês, e as colônias revoltadas, e não mais as metrópoles, receberam o apoio das simpatias irrestritas da Grã-Bretanha. Nisto ia formidável impulso favorável às esperanças e anseios do Rio da Prata. Foi imediatamente sentido em Buenos Aires, bem como em Montevidéu. No Rio, apontaram para os novos rumos os nossos diplomatas acreditados em Londres e na Áustria.

Coincidiram tais acontecimentos com o nenhum êxito da missão de Buenos Aires ao Rio. D. Juán Valentin Gomez, o enviado escolhido pelo general Martin Rodriguez, após meses de permanência na capital do Império, onde seus esforços e argumentos, por mais fortes e hábeis que fôssem, só encontraram respostas capciosas e de má fé, teve de voltar para o Prata, em abril de 1824, com uma recusa polida, mas decisiva.

Estavam findas as negociações diplomáticas. A campanha libertadora do Uruguai tinha de se basear e contar sòmente com o amor filial e o espírito de sacrifício de seus habitantes.

Sentiu‑o Lavalleja, e iniciou sem demora a cruzada. Cheio de entusiasmo e de patriotismo, nêle influiu poderosamente o feito memorável da vitória de Ayacucho, que, em 9 de dezembro de 1824, ferira de morte, no Peru, o domínio espanhol na América.

Achou auxílio em Buenos Aires. Vanguardeiro da invasão, enviou para o Uruguai com a missão de avisar seus correligionários a um jovem coronel, cujo nome mais tarde encheria a história do continente todo, D. Juán Ortiz de Rosas.

64. A campanha da Cisplatina. Seu ambiente. — A 19 de abril de 1824, uma ponta de trinta e três cavaleiros atravessou o rio Paraná, a caminho do Uruguai: era Lavalleja com suas fôrças. Numèricamente insignificantes, simbolizavam a liberdade do  p112 Uruguai, e em seus peitos pulsava a alma do país. Imediatamente, começaram a chegar reforços, em homens e cavalos.

Iniciaram‑se as escaramuças com as tropas do Brasil, pendendo a vitória para o lado dos libertadores. Chefes do tempo de Artigas, que haviam obedecido, sem se conformarem com as imposições do inevitável, e tinham curvado a frente sob o jugo estrangeiro, tornaram a empunhar a lança e a montar a cavalo, correndo em busca de suas antigas e verdadeiras afinidades, desde o momento que se entreviram novas esperanças de independência: assim se deu com D. Frutuoso Rivera.

Da ribanceira fronteira do rio da Prata, armas, munições, recursos chegavam em massa. Para assegurar êste auxílio precioso, Lavalleja convocou em Flórida um Congresso, que, a 25 de agôsto de 1825, votou a união do Uruguai às Províncias Unidas, em uma Confederação mais vasta, e declarou nulos e írritos todos os tratados anteriores com Portugal e Brasil.

Compreenderam tanto o Imperador como seus ministros a gravidade do passo. Depois de alguma tergiversação em Buenos Aires, entre o cônsul brasileiro e o govêrno, foi expedida para aí uma esquadra, em junho, com instruções de pedir, ou mesmo exigir explicações sôbre o manifesto auxilio dado pelas Províncias Unidas aos isurretos da Cisplatina.

Passou‑se a primeira metade de julho em discussão sem alvo entre o almirante da esquadra e o ministro das relações exteriores, D. Manuel José Garcia, um dos grandes nomes argentinos, cuja vida bem mereceria estudo cuidadoso e largamente divulgado.

Bem sabiam, no Rio, que não era segura a posição do Brasil. Os diplomatas nossos receberam instruções para solicitar de Canning usasse sua influência no Rio da Prata para acalmar a exaltação crescente, a belicosidade patriótica dos portenhos. Foram paralisadoras as respostas vindas de Londres: nesta questão, a Grã-Bretanha, muito ao contrário de ser favorável, mostrava‑se hostil aos intuitos brasileiros, e sustentava o ponto de vista dos platinos quanto à evacuação da foz do rio pelas fôrças de Lecor.

Quando, após certo tempo, chegou a Buenos Aires a notícia do voto do Congresso de Flórida pela união à Províncias Unidas,  p113 e do resultado favorável dos encontros de Rincón de las Gallinas e de Sarandy, uma onda de irresistível ufania nacional varreu tôdas as oposições. A 25 de outubro de 1825, o Congresso Constitucional das Províncias Unidas aceitou a união e a incorporação do Uruguai.

Era a guerra. Só cabia ao Brasil inferir as conseqüências dos fatos, e um decreto imperial de 10 de dezembro firmou a declaração de hostilidades.

Não podia ser mais mal escolhido o momento para o Império entrar em luta. Não era esta um corolário do movimento expansionista, intrínseco da população brasileira. Antes representava a política imperialista de D. João VI. Não era popular, e D. Pedro foi acusado de preferir a herança portuguêsa de conquista, ao verdadeiro interêsse nacional de harmonia e de paz.

A polícia internacional do Paraguai, como a entendia e praticava o Dr. Francia, era lançar uma contra as outras as nações vizinhas, a fim de tê‑las sempre ocupadas, e assim permitir que seu próprio país permanecesse favorável em demasia quanto ao Brasil, e de boa diplomacia seria conseguir sua neutralidade.

A Bolívia formava um ponto ameaçador da fronteira. Depois de Ayacucho e de Junin, o governador local da província de Chiquitos enviara um emissário a Mato Grosso, pedindo às autoridades brasileiras tomassem sob sua proteção a província por êle governada, até que o rei de Espanha estivesse em condições de reconquistar o vice‑reino do Peru, então avassalado pelas fôrças sediciosas de Bolívar e de Sucre, conforme êle as denominava. Foi aceita a proposta e tropas brasileiras marcharam para Chiquitos e ali aquartelaram.

Se o govêrno do Rio de Janeiro sancionasse tal invasão, fôra convidar Bolívar a conduzir seu exército à conquista do Brasil. Como a maçonaria era poderosa nesses dias, e numerosos se contavam os republicanos no país, principalmente nas províncias do Norte, teatro das revoluções de 1817 e de 1824, difícil seria prever quanto tempo durariam e que fim teriam as dificuldades oriundas de tal feito bélico.

Felizmente, tudo foi devidamente ponderado, e expediram‑se ordens a Mato Grosso a fim de retrocederem as tropas e repor as coisas em seu estado primitivo.

 p114  Ainda havia de se temer a política de Canning. De sua comunicação ao nosso diplomata em Londres, confirmada pelo embaixador português, o marquês de Palmela, em sua correspondência pensava o gabinete de St. James em fazer de Montevidéu uma sorte de cidade hanseática, sob o protetorado britânico. O que Sir Home Popham não conseguira fazer em 1806, — estabelecer no Rio da Prata uma base naval inglêsa no Atlântico Sul, o nôvo plano permitiria realizar. Desde logo acrescentemos que tal plano, anulado mais uma vez em 1825, foi novamente adotado em 1833, em ponto diverso, nas ilhas Falkland, as quais se tornaram possessões britânicas. Prova de alongada previsão política, característica da diplomacia inglêsa, e que vem corroborada por acontecimentos ulteriores: em 1914, dessas ilhas como base, partiram os navios da esquadra do almirante Sturdee, que destruiu os vasos de guerra alemães do conde von Spee, vencedor em Coronel, na costa chilena, trinta e oito dias antes.

65. O aspecto brasileiro do problema. — O comando brasileiro na guerra que se iniciava era de pouca valia.

Fôra enviada para a foz do Prata uma esquadra de bloqueio, mas nem o almirante que a comandava tinha agressividade bastante, nem eram adequados seus barcos à navegação nas águas de pouco fundo do estuário. Lecor, em terra, revelou‑se nulo, por sua inatividade, e nunca lhe ocorreu coordenar as operações de terra com as de mar. De tal estado de coisas resultou que as operações da esquadra não podiam ser decisivas, embora a marinha brasileira se mostrasse denodada; mas o calado dos navios não lhes permitia levar o combate aos portos de refúgio das naus adversárias vencidas. O êrro maior, porém, provinha de deixar desimpedida a passagem de uma outra margem do caudal; êrro tal, que consentiu que o campo de treinamento das fôrças argentinas se estabelecessem em território uruguaio, e assim facilitou todos os desenvolvimentos subseqüentes da guerra. Por outro ponto de vista, o bloqueio era mal observado e dava origem a inúmeros protestos, por neutros prejudicados pelos excessos da esquadra bloqueadora.

Alguns corsários, com cartas de corsos passadas pelas Províncias Unidas, causavam prejuízos e perturbações aos serviços  p115 de navegação do Brasil, e criavam ao longo da costa um estado desagradável de má vontade e irritação.

As tropas eram escassas, mal alimentadas, mal pagas; tudo lhes faltava: uniformes, munições calçado e armas. A cavalhada escasseava.

Para restabelecer a ordem e organizar o comando, foi nomeado para a chefia o marechal Brant, agora promovido a Marquês de Barbacena. A análise militar da campanha prova que foi irrepreensível como organizador e estrategista. A batalha do Passo do Rosário, ou Ituzaingó como lhe chamam autores platinos, revelou que não era um tático. Quando se deu o encontro dos adversários, a 20 de fevereiro de 1827, foi vencido Barbacena, em conseqüência de seus conhecimentos insuficientes da tropa e seu contato por demais distante com ela. De fato, não comandou o combate, e não tirou da fôrça o máximo que ela podia dar, atenta a coragem dos oficiais e dos soldados.

Surgiu destarte na luta uma fase de esmorecimento. Escaramuças, pequenos entreveros, alguns combates sem significação militar. As Províncias Unidas estavam financeiramente esgotadas, à beira da bancarrota. O Brasil, embora não tão gravemente combalido, ainda se debatia em meio de inauditas dificuldades orçamentárias. Sentia tôdas as conseqüências graves da impopularidade da campanha.

Ambas as casas do Parlamento ouviam críticas duras e desapiedadas contra o govêrno e Brant; contra D. Pedro, havia suspeita forte de que tentara enfraquecer as fôrças brasileiras, a fim de facilitar os planos portuguêses de recolonização. Por absurdos e injustos, clamorosamente injustos que fôssem, tais murmúrios pesavam e influíam no espírito público, e acentuavam a geral desconfiança pública: o Imperador cuida mais de Portugal e da coroa de sua filha do que do Brasil, era a queixa que por todos os cantos se ouvia.

E isto ocorria, no momento em que D. Carlota Joaquina e o marquês de Chaves acirravam a insurreição legitimista no reino, e D. Miguel, na Áustria, prometia quanta coisa dêle exigissem, a fim de poder voltar a Lisboa, onde, um ano decorrido, em abril de 1828, ia trair a confiança de seu irmão, e usurpar  p116 a coroa de sua sobrinha e noiva, D. María da Glória, que êle prometera defender.

66. As negociações de paz. — A desordem, nas Províncias Unidas, era tal, que D. Manuel Garcia, ministro das relações estrangeiras, foi em missão ao Rio, para o fim de negociar a paz a qualquer preço, como coisa de vida ou de morte. Chegou à capital do Império em início de maio de 1827; a 24 do mesmo mês estava o tratado assinado. Por êle, e apesar da derrota do Passo do Rosário, pelejada e perdida pelas tropas imperiais, ficava a Cisplatina em poder do Brasil! Tal era a situação desesperada das Províncias Unidas.

A Inglaterra, cujos ministros no Rio e em Buenos Aires haviam mediado entre os beligerantes, aceitou o acôrdo, embora, na realidade, fôsse um golpe mortal no plano de fazer de Montevidéu um protetorado britânico.

Em Buenos Aires, porém, mostravam‑se os ânimos por demais belicosos para que tal solução se aceitasse calmamente. Rompeu uma oposição de violência tal, contra semelhante convênio, que D. Bernardino Rivadávia, chefe do govêrno, se sentiu compelido a exautorar seu emissário: D. Manuel Garcia, disse êle, violara a letra e o espírito de suas instruções. Foi além, e julgou dever resignar seu alto cargo de diretor das Províncias.

O manifesto que, nessa ocorrência, achou dever publicar, embora elevado e cheio de nobreza, não consegue encobrir a sensação penosa de abandono de um pôsto de perigo. Rivadávia encontrava‑se em face de uma dúplice impossibilidade, em sua opinião: nem podia fazer a guerra, nem a paz; não tinha recursos para custear a campanha, nem apoio público para aceitar o tratado. Em conseqüência, renunciou. E, entretanto, existia uma saída para se livrar do atoleiro, apesar de tôdas as dificuldades; tanto assim, que seu sucessor, o general Dorrego, a adotou em 1828.

A notícia da rejeição do tratado por Buenos Aires causou, no Rio, efeito de estupefação. Estava o país cansado de sustentar uma guerra extremamente impopular. O voluntariado era escasso, e recrutar soldados nas povoações e nas cidades, aproveitando as reuniões festivas e as assembléias populares, tornou‑se  p117 costume geral. Nada, tanto quanto tais violências, concorreu para generalizar e intensificar o descontentamento público contra a luta no Sul.

Desorganizava tal conflito o trabalho no interior do país, e criava verdadeira crise econômica. Nos círculos do govêrno e do Parlamento, a assinatura da paz agir como desafôgo na extrema tensão dos espíritos; reencetar esforços e sacrifícios após ter julgado findo o período das agruras imposta pelo espírito nacional, era realmente duro: lembrava uma ordem de marcha dada, após curto alto e esfôrço desmedido, a uma tropa extenuada. Ninguém mais se sentia disposto a renovar os sofrimentos anteriores.

Os acontecimentos portuguêses, por outro lado, pioravam de dia para dia. D. Miguel tirara definitivamente a máscara que trouxera durante tantos anos, desde seu exílio, em Viena, e assumira a coroa.

No Rio Grande e no Rio de Janeiro, tropas alemãs, mal pagas ou mesmo sem receber pago alguma, haviam se amotinado, obrigando o govêrno a uma repressão sangrenta. Algumas, no Sul, passaram‑se para o inimigo.

De todos os lados, vinham avisos e sugestões no sentido da cessação das hostilidades. A Inglaterra e a França, em têrmos velados, davam a entender que não poderiam suportar os inconvenientes graves do Rio da Prata, e de seu bloqueio. O Rio Grande do Sul começava a revelar‑se agitado e nervoso; sinais de propaganda republicana, aceita no interior da província, faziam‑se sentir e encontravam simpatia, precursores da longa guerra civil de 1835‑1845: e o Rio de Janeiro não podia conservar‑se impassível ante ameaça de tão grave monta.

67. O tratado de paz de 1828. — As objeções de D. Pedro I a qualquer tratado de paz que diminuísse o patrimônio territorial herdado de seu pai, tiveram de se modificar progressivamente. Nova embaixada vinda da Buenos Aires chegou ao Rio em agôsto de 1828, e a 27 dêsse mês nôvo acôrdo foi celebrado. Nessa data, Uruguai nasceu para a vida internacional.

Assentia o Brasil em evacuar a Cisplatina. As Províncias Unidas concordavam em que ela não fizesse parte da Confederação.  p118 Ambas as nações admitiam sua independência, e se obrigavam a garantir o nôvo Estado Livre. Essa, precisamente, era a opinião de Canning, e o objetivo de sua política.

Pela vez primeira, em tratado internacional figurava a liberdade de navegação dos rios lindeiros para as soberanias ribeirinhas.

Até o último instante, e mesmo após a assinatura do tratado, D. Frutuoso Rivera desempenhou papel dúbio e dúplice, como era seu costume. Ninguém acreditava nêle. Impôs‑se, entretanto, a Buenos Aires, e com algumas dezenas de sequazes invadiu o Rio Grande do Sul na região missioneira. Nenhum feito de grande coragem, pois estava pràticamente abandonada e indefesa. Suas instruções, todavia, comportavam o avanço até à cidade do Rio Pardo, mas nenhuma atenção ligou a ordem e deixou‑se ficar na região ocupada. Daí correspondia com ambos os partidos em guerras, sendo sua idéia ficar com o vencedor, fôsse êste qual fôsse. Se o Brasil triunfasse, seu argumento seria que, permanecendo nas Missões, as guardava, para as restituir ao Império ao celebrar‑se a paz. Se vencessem as Províncias Unidas, inverteria a alegação. De fato, estava trabalhando sômente em proveito próprio, de modo a achar‑se sempre, na formação dos acontecimentos, em situação de pêso e que se impusesse aos dominadores do dia.

Conta‑nos o reverendo R. Walsh, em seu livro de 1828: "O fim da guerra foi recebido com um desapontamento geral e com grande descontentamento!"

Disso se serviu a oposição parlamentar, para com esfôrço minar o govêrno. O Imperador, mais do que nunca, era impopular. Tanto mais, quanto a Imperatriz tinha morrido em dezembro de 1826, e se murmurava que seu falecimento havia sido apressado pela vida licenciosa de seu espôso. Após sua morte, não parou o escândalo público de sua intimidade com a célebre Marquesa de Santos.

68. O bloqueio do Prata. — Outra causa de mal‑estar estava no bloqueio do Rio da Prata. Esta medida, resolvida em dezembro de 1825, era absurda, diz Walsh: "A declaração do bloqueio abrangia uma costa de vinte léguas em latitude, tôda a fôrça disponível, nesse tempo, para o levar a efeito, consistia em uma  p119 corveta, dois brigues armados e algumas canhoneiras, que não bastariam para vigiar a Buenos Aires, tão sômente . . ."

Não existiam meios para o tornar efetivo. As instruções mudavam‑se amiúde, e os almirantes nomeados para comandar a expedição não lhes ligavam importância. Tanto abuso se pusera em prática, tanta regra havia sido violada na observância das normas comuns respeitadas em represálias, em captura de prêsas e sua venda, que a Inglaterra, a França e os Estados Unidos diàriamente levavam ao govêrno brasileiro os protestos de seus nacionais prejudicados. No Rio, os ministros viam‑se impedidos de agir: as ordens devidamente transmitidas à esquadra bloqueadora eram desobedecidas; as leis do Império recém-nascido não proviam quanto a meios de firmas as sanções contra os indisciplinados; e os queixosos, tanto os donos dos navios e de sua carga, como os diplomatas, viam suas reclamações adiadas sem fim.

Sentiu perfeitamente o govêrno imperial que tinham pleno fundamento os protestos, mas via‑se sem meios de agir. Votou‑se uma lei sôbre tal assunto, em setembro de 1827, mas sua interpretação variava de um para outro lado das partes interessadas.

Finalmente, a França perdeu a paciência. O almirante Roussin, a 6 de junho de 1828, entrou pela barra da baía do Rio, para compelir o govêrno à solução das reclamações formuladas por seu país. Os Estados Unidos também protestaram, bem como a Inglaterra. A desnecessária demonstração de Roussin ofendeu profundamente o amor-próprio nacional. Tinha êle, entretanto, razão de protestar, tantas e tais eram as violações do direito internacional cometidas pela esquadra bloqueadora do Prata. D. Pedro e seus ministros disso estavam convencidos: acharam mais justo e eqüitativo reconhecê‑lo. De acôrdo com tal decisão, cláusulas adicionais foram acrescentadas aos tratados comerciais existentes, e regularam as normas dos bloqueios, pois não havia discrepância nas doutrinas jurídicas sustentadas por ambos os governos.

Dessas negociações movimentadas, todavia, ficaram restos desagradáveis de mal‑estar, e de tudo se atirava a responsabilidade sôbre o ministério e o Imperador. Como anteriormente, a desconfiança envenenava e complicava tôdas as coisas.

 p120  69. Organização jurídica e administrativa do Império. — A Assembléia Geral, entretanto, trabalhava com todo o esfôrço, cônscia, como estava, da necessidade de dotar o Brasil de uma organização jurídica própria, e cessar a aplicação da antiga legislação metropolitana, até 25 de abril de 1821, como fôra determinado para atender à inexistência de códigos de leis nossas, em virtude da lei de 30 de outubro de 1823, que estabelecera tal medida como providência que se impunha para o período de transição. Bem sentiam que tal expediente só podia ser transitório, e que o antigo conjunto de decreto e ordens régias já não correspondia às necessidades dos tempos. Em setembro de 1828, foi criado o Supremo Tribunal de Justiça, abolindo‑se os antigos órgãos judiciários a que vinha substituir. Em 1830, foi pôsto em vigor o nôvo Código Criminal.

Tôda a economia nacional se baseava no tráfico de escravos. O tratado anglo-brasileiro de 1826 fixava 1830 como o ano derradeiro para tais importações, e constituía uma ameaça pendente e terrível sôbre a agricultura do país.

Todos os esforços se puseram em prática para aumentar o número de cativos importados. Conjetura‑se que, até 1829, ano precedente à extinção legal dêsse comércio, a média anual importada andaria, por junto, por 60 000 a 80 000. Outro meio de evadir a limitação legal encontrou‑se no fato de que, sob a bandeira francesa ou a norte-americana, não havia impedimento a tal comércio; oficialmente, dessas nacionalidades eram os navios negreiros que, por essa época, passaram a freqüentar os portos brasileiros.

Propostas e projetos impedindo tais importações passaram a figurar nas ordens do dia da Assembléia Geral. Desde 1827 começaram a aparecer na lista dos trabalhos parlamentares. Foi o primeiro um projeto apresentado pelo deputado Antônio Ferreira França. Diogo Feijó apresentou outro, minorando as penas impostas aos cativos pela lei vigente. Castro e Silva, Antônio Pereira Rebouças e, mais uma vez, França, esforçaram‑se para que algo se votasse nesse assunto. Mas 1830 findou, sem que coisa alguma se votasse para solver o grave problema.

Não era coisa fácil, nessa época, arranjar imigrantes. Além da dificuldade, talvez mesmo impossibilidade, de obter trabalhadores  p121 brancos que se sujeitassem a lavrar as terras, ao lado dos escravos, eram por demais vastas as amplidões oceânicas a atravessar; a própria terra mostrava‑se selvagem em demasia, e o isolamento dos colonos rigoroso e por demais absoluto, para que elementos europeus se atrevessem a cruzar o Atlântico, a varar os chapadões e a mata virgem, com o fim de fundar fazendas ou criar gado. Existiam, contudo, algumas colônias esparsas, mas eram fracas e desanimadoras as perspectivas de êxito.

Uma delas, fundada em 1812, encontrava‑se na província do Espírito Santo. Outra, chamada D. Leopoldina, em homenagem à futura Imperatriz, fôra fundada em 1817 à margem do rio Peruípe, a sul da Bahia. Nova Friburgo, fundada por camponeses suíços em 1819, iniciava seu desenvolvimento na Serra dos Órgãos, não muito longe do Rio. Forquilhas e Tôrres, no Rio Grande do Sul, datando de 1826, e São Leopoldo, de dois anos mais velha, e na mesma província, revelavam‑se prósperas e de futuro promissor; seus habitantes eram todos alemães. A última, em 1828, pouco após sua fundação, já contava cêrca de 6 000 habitantes. Quase tôdas elas existem, e constituem hoje vilas e cidades prósperas. Em Santa Catarina, a primeira tentativa remonta a 1827, e em São Paulo, Santo Amaro começou em 1828‑29.

Como regra, os imigrantes haviam primeiro vindo como soldados mercenários e, depois, estabeleceram‑se nos lotes que lhes havia concedido o govêrno.

Deu lugar êsse método a incidentes muito desagradáveis, em várias ocasiões: motins, levantes, necessidade de os dominar pela fôrça, como rebeldes que se mostraram. Assim aconteceu com os regimentos alemães, que vieram primeiro, e mais tarde com os irlandeses vindos em 1828 com o coronel Cotter. No primeiro caso, talvez não fôssem as insurreições estranhas aos tumultos do Sul, na campanha da Cisplatina, embora se dêsse como pretexto da revolta o exagêro dos castigos impostos a um soldado estrangeiro. No segundo caso, o coronel Cotter havia prometido o que êle não estava habilitado a cumprir: nada se encontrava preparado para receber no Rio os 2 400 imigrantes de Cork, que êle havia transportado para o Brasil. Muito sofreram êles; quatrocentos,  p122 apenas, fixaram‑se em Ilhéus, a sul de Bahia, perto de 2 000 voltaram para a Irlanda, famintos e arruinados.

Conseqüência evidente, tais ocorrências infelizes, por longos anos impediram tôda imigração no Brasil. Ainda tiveram largo influxo em consolidar a opinião de que só a África poderia fornecer a mão-de‑obra de que a lavoura carecia, e que, portanto, só poderia ser servil.

Cumpre acrescentar que, acostumados ao trabalho escravo, os estadistas mais bem intencionados não compreendiam a essência do trabalho livre, o livre consenso. Nicolau Pereira dos Campos Vergueiro, um dos mais dignos entre êles, e que mais tarde iria mostrar o modo de solver o problema de transformação do trabalho nas grandes fazendas de café de São Paulo, pela adoção do sistema de parceria entre fazendeiros e colonos, Vergueiro, mesmo, conseguiu fazer votar pela Assembléia, em 1830, um complicado processo de contratos, que pouco mais era do que uma escravidão disfarçada. Serviu, sòmente, para piorar as coisas, tão impertinentes e duras eram as intervenções da polícia e da cadeia nas menores infrações dos acôrdos assinados.

Deveriam as relações vir, mais tarde, do progresso realizado nas relações sociais, sob a influência dos fatôres econômicos e naturais; ajustando‑se por si e fora de tôda direção oficial; isso, leis e polícia eram impotentes para conseguir.

Em realidade, o último ano das importações legais chegou, sem que o govêrno tivesse tomado a menor providência para atender às novas condições do labor legal no país.

70. Progressos alcançados. — Ainda assim, nunca parou o desenvolvimento do Brasil. Em 1828, as importações de mercadorias andavam por mais de 15 milhões de dólares equilibrando‑se com as exportações.

Pela mesma época, excetuada a cabotagem, 470 navios haviam entrado no pôrto do Rio, 266 sob a bandeira inglêsa, e 151 sob a dos Estados Unidos.

O principal agente de progresso tinha sido o Banco do Brasil, que dava crédito para as operações comerciais habituais. Mas, em 1829, foi cometido um gravíssimo êrro, votando‑se uma lei que determinou a liquidação do instituto, sob a pressão apaixonada  p123 do ódio político, dos boatos exagerados de gestão desonesta e campanhas de descrédito.

O desacêrto praticado em liquidar o banco em condições morais tão desfavoráveis, é suscetível de ser avaliado em algarismos: tudo pago, solvidas tôdas as dívidas, os acionistas receberam 90% do seu capital. Durante anos, nenhum banco existiu no Brasil, complicando e dificultando as facilidades de crédito.

Enquanto os negócios se desenvolviam, incessantemente, em rumo ascensional e sadio, o Tesouro Nacional e a dívida do país mostravam condições muito desfavoráveis. As taxas cambiais, sempre em queda, dão a prove de tal assêrto. Era de 61½ pence a paridade do mil‑réis. Em 1830, caíra, no Rio, a taxas variáveis entre 21½ e 24¾ d; na Bahia, entre 26 e 33½; no Recife, a 51⅞ e no Maranhão, entre 39 e 48½.

Pela inexistência de meios normais de comunicação, ao longo da costa, havia um câmbio de praça a praça do Brasil; em alguns casos, como Rio‑Recife, variava na proporção de 1 para 2 (26‑33½ d para 51⅞).

Três causas principais podem apontar‑se de tal situação de negócios: a má gestão das finanças públicas; as guerras com Portugal, Norte do Brasil e Cisplatina; as emissões de moeda de cobre.

Não cabe aqui expor minudentemente todos êsses problemas. Já o fizemos em publicação especial (Politique Monétaire du Brésil. Rio, 1910); mas é necessário dar ao menos um resumo dos fatos.

As emissões de papel-moeda haviam expelido do mercado os metais nobres; o único meio circulante metálico eram os discos de cobre, cujo valor nominal era, de muito, superior a seu valor intrínseco comercial. As moedas eram grosseiras e de fácil falsificação. Iniciou‑se uma dúplice fraude: o govêrno começou a cunhar quantitades excessivas dêsse dinheiro, a fim de lucrar a diferença de valor entre o preço nominal e o preço real do comércio; particulares cunhavam, ou importavam, discos de cobre absolutamente semelhantes aos legais; ambos os processos davam moeda tão grosseira, que se tornava impossível distinguir entre as legais e as postas fraudulentemente em circulação. Finalmente,  p124 tornou‑se imprescindível recolhe‑las tôdas, indistintamente, legítimas e falsas, aceitas pelo Tesouro, e por êste pagas como auténticos. Finalizou‑se esta operação em 1837, e elevou‑se a cêrca de 35 000 contos. Enquanto tal cunhagem se desenvolveu, de ambas as origens, provocou especulações, falseou preços e causou tôda sorte de desordens monetárias.

71. Luta entre o Imperador e o Legislativo. — No ânimo imperial, tinham as críticas sempre o mesmo influxo, fôssem sinceras e capazes, nas discussões parlamentares sôbre pontos controvertidos, como também quando representavam meras explosões de oposição apaixonada ou de má vontade. A tôdas considerava êle como ataque a majestade do trono. Se os ministros, respeitosamente, dissentiam de sua própria opinião, mandava‑os embora e dava‑lhes sucessores mais dóceis a suas vistas. Era positivamente afrontar a opinião pública, em um govêrno baseado nesta; e voltar cada vez mais ao absolutismo. Como os brasileiros eram muito mais irrequietos e intolerantes do que os portuguêses em aceitar tais métodos, pendia D. Pedro preferentemente para os estrangeiros e absolutistas, e o país o acusava de colocar o Império em segundo lugar em suas afeições.

A princípio, o Parlamento não compreendeu quão poderosos eram seus meios de ação, e deixou‑se dominar pela paixão mais do que pela reflexão. Depois de certo tempo, quatro ou cinco anos, adquiriu uma posição de equilíbrio, e entrou a prová‑lo de todos os pontos de vista, revelando‑se superior ao Imperador, e guiando‑se pelo cérebro enquanto D. Pedro era escravo de seu temperamento e de suas paixões, e explodia em crises de violência.

De modo perfeitamente inconsciente, violava as regras constitucionais e os privilégios parlamentares. A má vontade recíproca atingiu ao extremo, ao ponto de rompimento. De uma feita, D. Pedro, de uma janela do Paço da Cidade, fronteiro à Câmara dos Deputados, insultou aos representantes da Nação que passavam.

Volveu‑se, então, para a tropa, que êle amava e com a qual estava acostumado a viver: a partir dêsse momento, o Exército tornou‑se suspeito ao Legislativo, e êste tudo envidou para o  p125 enfraquecer, a fim de diminuir o poder Imperial. Até os nossos dias, o Brasil sofre as conseqüências dessa orientação impolítica e errada. A campanha da Cisplatina, por seus erros e pela negação dos precisos recursos legais, foi uma evidenciação do que tal êrro poderia produzir, em prejuízo do Brasil.

Pràticamente, não havia orçamento; D. Pedro, de fato, dava ordens diretas ao Tesouro para pagar tais ou quais despesas, não previstas por lei. Nomeações, da competência dos ministros, eram feitas por êle, sem se preocupar com as questões de alçada.

O resultado de tal conflito era que Executivo e Legislativo se achavam em péssimos têrmos, e que, nas províncias, tais sentimentos ainda se achavam mais exaltados, pelas notícias para ali comunicadas pelos representantes da Nação a seus comitentes. A tal grau subia a indignação recíproca, que, ao encerrar‑se a última sessão da primeira Legislatura, D. Pedro, em vez da costumeira fala de encerramento resenhando fatos e trabalhos realizados, se limitou a pronunciar apenas as palavras: "Está encerrada a sessão."

Foi eleita a segunda Legislatura nessa atmosfera, de profunda e convencida hostilidade ao Imperador. A paixão desfigurava os acontecimentos em ambos os campos. Sôbre o govêrno lançava‑se a responsabilidade de tudo, mesmos dos fatos nos quais os desejos de D. Pedro haviam sido contrariados e cujo desacêrto tinha por origem o próprio Parlamento.

72. Aurora Fluminense. — Um nôvo elemento, todavia, tinha nascido em 1827: um jornal começara a circular, a Aurora Fluminense, visando à discussão serena e clara dos fatos, e condenando o processo de insultar e provocar os adversários. Desde logo provou imenso seu influxo na opinião. Seu proprietário, Evaristo Ferreira da Veiga, um livreiro, agia de acôrdo com a opinião do senator Vergueiro; tal associação de pareceres dava pêso aos elementos conservadores da época, e, dentro em prazo breve, foi se constituindo um núcleo de políticos sérios, enérgicos, calmos e previdentes, a distância igual da demagogia e do absolutismo, um grupo ao qual o Brasil ficou a dever os mais preeminentes serviços à causa pública, em momentos difíceis da vida constitucional.

 p126  Em 1830, cinqüenta e três eram os jornais publicados em todo o Império; dêsse número, sòmente onze eram partidários do govêrno. A orientação geral era oposicionista, indo até o limite da federação e da república. Idéia prematura, se tivesse vencido, pois teria destruído a unidade nacional e a paz interna. A Vergueiro e Evaristo, à sua prudência e seu espírito conservador, ocorreu logo que seu dever seria evitar semelhante desastre. Cumpriram‑no brilhantemente.

A ascensão de D. Miguel ao trono de Portugal foi seguida pela perseguição dos partidários de D. Maria da Glória. Dêstes, alguns fugiram para o Brasil, mas a maioria exilou‑se em Londres e, daí seguiu para os Açôres, onde a rainha-menina tinha maior círculo de aderentes e sua autoridade era respeitada.

D. Pedro, como pai e tutor e guarda legal de sua filha, não poderia evitar de se imiscuir nos acontecimentos portuguêses, nêles envolvendo, parcialmente ao menos, interêsses brasileiros. Ainda se via obrigado a apertar os liames com todos os seus seguidores liberais que lhe apoiavam os direitos. Cada vez mais avultavam em seu espírito os negócios de Portugal e suas lutas internas; como conseqüência, chegaram‑lhe a preocupação com o Brasil. Era isto, em tôrno de si, amargamente ressentido, e, para calar os murmúrios que lhe eram contínuas reprovações, aumentou sua intimidade com seus súditos portuguêses, excluindo os brasileiros. Em seu ministerio, nenhum brasileiro figurava.

73. Nova missão do Marquês de Barbacena. — Quis pôr sua filha sob a proteção do avô, o imperador da Áustria, e, para isso, a enviou para a Europa, em julho de 1828, sob a guarda do Marquês de Barbacena; tal se deu antes que ao Rio chegasse a nova da usurpação de D. Miguel. Ao aportar em Gibraltar a comitiva régia, chegaram‑lhe as novas da traição. Não podia mais Barbacena levar para Viena a criança coroada, princesa e noiva de onze anos apenas, e entregá‑la a Francisco I, protetor de D. Miguel.

Seguiu para Londres, e iniciou seus esforços extremos com o fito de promover o reconhecimento geral dos direitos soberanos da rainha-menina. O êxito premiou‑lhe a ingente obra. A êle se devem o govêrno legal de D. Maria, por todos reconhecido,  p127 a liberdade de sua pessoa e a conservação da Carta constitucional portuguêsa, mantida com seu caráter liberal.

Restava‑lhe ainda uma missão a cumprir: achar uma noiva para o Imperador.

Já de volta para o Rio, aqui aportou a 16 de outubro de 1829, trazendo em sua companhia D. Maria da Glória e D. Amélia de Leuchtenberg, segunda imperatriz do Brasil.

Regressando do exílio, e reconciliados com D. Pedro, os Andradas haviam aconselhado a êste formar um gabinete realmente brasileiro, para atender aos perigos da situação interna. Igual aviso e conselho idêntico tinham partido de Barbacena. Sôbre êste recaiu a escolha imperial para dar cumprimento à tarefa.

74. Ensaio falho de govêrno constitucional. — Assim se formou o ministerio de 4 de dezembro de 1829. O marquês tencionava criar o verdadeiro regime constitucional fazendo um govêrno parlamentar. Para isto, obteve do Imperador a promessa de coibir qualquer violação do Estatuto, e mesmo, com grande dificuldade, conseguiu fôssem mandados para a Europa os membros do gabinete oculto e irresponsável, verdadeiro kitchen cabinet, que, dos quartos baixos do palácio de São Cristóvão, dominava o Brasil.

Tudo se fêz de acôrdo com êsse plano, mas D. Pedro, correspondendo com o chefe de tais conselheiros, portuguêses e absolutistas, de mais a mais feridos e desprestigiados por Barbacena, recebia suas cartas com sugestões ferinas contra o ministro e vingando‑se de quem os havia exilado do Rio e de perto do príncipe. Reçumavam as missivas de rancôres, de calúnias e de intrigas. Tais foram elas, que Barbacena, a 4 de outubro de 1830, se viu moralmente coagido a dar sua demissão.

Sob sua direção iam lentamente melhorando as coisas. Com a sua saída do govêrno, todo o esfôrço saneador foi perdido, e D. Pedro recaiu nos seus antigos e errados métodos de reinar. Ainda algum tempo durou o gabinete, mas, sem o espírito inspirador do marquês, os ministros foram saindo, até que se viram totalmente substituídos por figuras insignificantes.

 p128  Entre o nôvo pessoal político, figurava o deputado José Antônio da Silva Maia, cuja reeleição por Minas era indispensável para ratificar sua escolha para ministro. Tal reeleição era por D. Pedro uma questão de honra: partiu para Ouro Prêto, capital da província, para a auxiliar na medida de suas fôrças.

75. Pródromos da abdicação. — Não se lembra o soberano de que, nessa província, sempre independente e influenciada pela tradição da Inconfidência, dominava espírito liberal e, mesmo, republicano. Nela, nas eleições de 1829, ser patrocinado pelo govêrno havia sido má recomendação para os candidatos.

Agora, um fato nôvo exacerbava os ânimos. Em São Paulo, um exilado italiano, Líbero Badaró, possuía um jornal e nêle publicava suas opiniões, extremistas, favoráveis à revolução francesa de 1830, e defendia estudantes acusados e punidos pelas autoridades por desacato, motivado por excessos próprios da juventude. O jornalista fortemente interpelava ao juiz, e assim se entabulou uma discussão que tanto se exaltou, que, indo ao crime, produziu o assassínio do forasteiro. Ao juiz se acusou, então, de ser o mandante da morte. Fêz‑se o processo no Rio, e dêle saiu livre o magistrado, por não haver prova de sua culpabilidade.

Mas a paixão política apoderou‑se dos acontecimentos, e, de Norte a Sul, corria a fama de que a absolvição se dera por ordem do govêrno.

Em Minas Gerais, era profunda a impressão. Durante sua viagem de propaganda eleitoral, D. Pedro o sentiu. Nas mesmas cidades e vilas onde, em 1822, fôra recebido como um ente divino, ajoelhadas as populações, agora os sinos das igrejas repicavam a defuntos por alma do liberal Badaró, assassinado pelo absolutismo oficial.

Voltou o Imperador para o Rio, decidido a abdicar. Sua missão americana estava finda. Nada o retinha desta banda do Atlântico. Agora, seu pensamento ia para a causa de sua filha. A primeira viagem a Minas lhe revelara a grandeza do Brasil e a impossibilidade de o governar de Portugal. A segunda deu‑lhe a evidência da repulsa do país quanto a seus métodos de govêrno.

 p129  No Rio, foi recebido friamente. "Viva o Imperador, enquanto constitucional", era a saudação que se clamava. Um sangrento conflito teve lugar entre aderentes e oposicionistas: foram chamadas as lutas de Garrafadas, pela preponderância tomada pelos cacos de garrafas como arma empregada. Um simples fato, contudo, exerceu ação sedativa nos combatentes: como sinal de união e solidariedade, Evaristo havia aconselhado aos nacionalistas usarem o tope nacional verde-amarelo. Da noite para o dia, por tôda parte, nos chapéus, nas lapelas e no vestuário, brotou esplêndida primavera do patriotismo. Esta vitória moral decorria de um simples aviso, que permitira aos brasileiros contarem seu número. Tantos eram, que tôda oposição cessou e silenciou.

Os Vinte-e‑Quatro, que tantos eram os do grupo da Aurora Fluminense com Vergueiro à frente, reuniram‑se e resolveram colocar a clara alternativa perante D. Pedro: proibir e refrear as violências de seus sequazes, e obedecer à Constituição, e às leis, ou ser deposto. O Imperador nenhuma atenção prestou ao aviso.

Organizou‑se um projeto para ser presente à Câmara dos Deputados, no intuito da deposição. Planejava‑se abolir a monarquia e adotar um govêrno republicano. A opinião de Vergueiro e de Evaristo prevaleceu difìcilmente, e abstiveram‑se todos de emendar a Constituição nesse ponto.

Nas tropas já figuravam numerosos brasileiros, tanto entre os oficiais como entre as praças. O voluntariado era abundante. Militares e civis fraternizavam francamente.

Retaliando os sentimentos hostis do povo, D. Pedro mudou de ministerio a 19 de março de 1831, sem indicação parlamentar de qualidade alguma que o aconselhasse: nova inconstitucionalide, portanto.

76. Abdicação de D. Pedro I. — Já agora, o Imperador perdeu a cabeça, e, por uma nova violação do Estatuto, tão indiscreta quanto a escolha do último gabinete, demitiu a êste, e deu‑lhe como sucessor os mais acusados dos absolutistas em foco, tidos até como antibrasileiros.

 p130  Logo começaram a correr boatos de que os Vinte-e‑Quatro iam ser presos e que se tomariam medidas contra a imprensa.

Convocou‑se uma assembléia popular no Campo de Santana, hoje praça da República. As tropas estavam a uma com o elemento civil. D. Pedro enviou uma mensagem prometendo que obedeceria às leis. Foi rasgada pela populaça enfurecida. Três juízes de paz partiram para São Cristóvão, para, em nome do povo, exigirem: reconduzir os antigos ministros. Não o faria, disse o Imperador.

No próprio palácio imperial, a deserção começara. As tropas uniram‑se à população reunida do Campo, e D. Pedro ficou sòzinho com sua família. Nenhuma violência. Nenhuma prova de falta de respeito. Era a absoluta, unânime e tranqüíla repulsa do país, contra o absolutismo.

A 7 de abril de 1831, o Imperador abdicou o trono. Seu sucessor seria seu filho D. Pedro II, então com menos de seis anos.

Daí por diante, ia o Brasil ser governado exclusivamente por brasileiros.


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Página atualizada: 4 Out 13